Pica-pau-avermelhado. Ave encontrada na floresta do Cocó, área da Sebastião de Abreu. As construçõees ali impactam diretamente na fauna e flora |
Fortaleza assistiu há poucos dias à primeira
manifestação local e concreta da democracia participativa, tal como prevista em
sua Lei Orgânica Municipal (LOM). Tratou-se do acionamento do instrumento do
veto popular por cidadãos preocupados com a depredação da área destinada ao
Parque do Cocó. De acordo com a iniciativa, ficam proibidas edificações de
obras de interesse privado em todo o território da reserva ambiental do Cocó.
Questões
como a construção do Aquário; a utilização da área da Praia Mansa; a nova ponte
sobre o rio Cocó (que afetará o meio ambiente); a definição de uma vez por
todas da data aniversária de Fortaleza; a gratuidade dos estacionamentos
públicos; a proibição de circulação de veículos particulares no Centro
histórico e tantas outras questões já formam um respeitável elenco de decisões
à espera da manifestação direta do cidadão fortalezense, ou do cearense, em
geral. Outras, inevitavelmente surgirão, à medida que grandes intervenções
públicas ou privadas tragam conflitos de interesses lesivos à coletividade.
O
veto popular, assim como a iniciativa legislativa popular, o referendo e o
plebiscito são mecanismos destinados a viabilizar a intervenção direta do cidadão
na vida política e administrativa, correlatamente com as instâncias formais do
poder. Sua fundamentação está no Art.1º.§ Único da Constituição Federal: “Todo
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição”. O termo “diretamente” institui a
democracia participativa, ou direta. Apesar de previstos na Carta Magna, esses
instrumentos têm tido sua efetivação procrastinada nos três níveis de poder:
municipal, estadual e federal. No entanto, o futuro da democracia depende de
suas implementações.
Chegou
a hora, a partir do município (laboratório por excelência para o teste das
novas formas institucionais) de se recorrer mais a esses instrumentos. Dessa
forma, o cidadão se sentirá mais motivado a participar da vida política e a
assumir, corresponsavelmente, os resultados de suas próprias opções políticas.
Tomando parte nas decisões administrativas, poderá melhor defender os
interesses da coletividade e será levado também a conhecer por dentro os
limites orçamentários e a selecionar as prioridades, de forma a otimizar a
utilização do dinheiro público. Da parte do gestor realmente comprometido com o
interesse público, compartilhar responsabilidades será um alívio, pois a
própria comunidade terá noção dos limites da administração e aprenderá a fazer
cobranças realistas.
Longe
de ser uma coisa de outro mundo, esse procedimento é mais do que secular, na
Suíça, e comumente utilizado em outros países. Isso acontece, também, em 12
estados da federação americana. Nos EUA, costuma-se aproveitar as eleições
convencionais para acoplar plebiscitos e referendos sobre questões locais,
inclusive o plebiscito revogatório de mandato (recall). Com isso, dá-se
vitalidade à democracia que, na sua forma exclusivamente representativa, está
quase totalmente esvaziada pelo formalismo da representação. O eleitor não se
sente, de fato, representado e se frustra, cada vez mais, com a atuação
autônoma de seus representantes e pela percepção de que as decisões reais passam
longe das urnas.
Por
que não podemos fazer o mesmo, aqui, pondo em prática a Constituição Federal, a
Constituição Estadual e a Lei Orgânica Municipal, que preveem a democracia
participativa? Desde já, é preciso estabelecer o princípio de que projetos polêmicos
- sobretudo os que causam forte interferência na vida de uma comunidade e
dividem opiniões - devem ser levados à consulta direta dos cidadãos. Depois da
urna eletrônica, não há dificuldade técnica em colher o voto do eleitor. Para
diminuir os custos das consultas, estas podem ser preferencialmente (mas não
exclusivamente) acopladas às eleições convencionais, realizadas a cada dois
anos, no Brasil. É preciso fazer disso uma rotina.
Com
isso, cria-se a cultura participativa, cujo desenvolvimento redundará na
afirmação da cidadania atuante, proporcionando, simultaneamente, a
revitalização do próprio regime democrático. Só assim poderemos ter cidadãos
plenos, inteiramente responsáveis pelo destino de nossa Cidade, de nosso Estado
(pois esses instrumentos também precisam ser acionados no âmbito estadual) e de
nosso País.
Não
há mais tempo a perder, visto que essa forma contemporânea de democracia jaz
como letra morta, há um quarto de século (a Constituição fará 25 anos este
ano), impedida de ser efetivada pela resistência interesseira dos que temem
perder o monopólio decisório em consequência do arejamento político e
administrativo trazido pelo cidadão consciente e participante.
Fonte: O Povo
Nenhum comentário:
Postar um comentário