Ao fim de sua sustentação oral nessa sexta-feira, 3, no Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu a prisão dos acusados de envolvimento no escândalo do mensalão tão logo a Corte chegue a um veredito. Também pediu a cassação de mandatos parlamentares – três réus são deputados federais – e a devolução do dinheiro que sustenta ter sido desviado pelo esquema.
Gurgel centrou sua explanação de 4 horas e 38 minutos, lida num iPad, no ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, chamado de "principal figura" e "autor intelectual" do mensalão, um esquema de pagamento de parlamentares durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, segundo a acusação, serviu para comprar votos no Congresso. Os advogados dos réus sustentam ter havido apenas caixa 2.
"A Procuradoria-Geral da República requer desde já a expedição de mandados de prisão imediatamente após a sentença", disse Gurgel, num movimento que visa a evitar que recursos da defesa atrasem o cumprimento de eventuais penas. O procurador afirmou ter obtido "todas as provas possíveis" e destacou que o escândalo ocorreu entre "quatro paredes" dentro do Palácio do Planalto. "O Ministério Público só não conseguiu provas impossíveis", afirmou Gurgel, segundo quem "jamais um delito foi tão fartamente comprovado" e que o julgamento é "histórico".
O procurador aproveitou ainda para dizer que foi vítima de ataques "grosseiros e mentirosos" desde que apresentou as alegações finais ao processo, mantendo as acusações contra quase a totalidade dos réus – ele foi acusado por petistas de segurar uma investigação que comprometia o senador cassado Demóstenes Torres (ex-DEM, sem partido). "Foi tudo para constranger e intimidar o procurador", disse Gurgel, segundo quem o comportamento foi "inaceitável" e "inútil". "Não nos intimidaremos jamais", afirmou.
Ele encerrou a sustentação oral, que começou no início da tarde e adentrou a noite, com versos da música Vai Passar, de Chico Buarque. "Dormia a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações", recitou.
Ponto central. O procurador ficou em Dirceu porque, segundo ele, provar sua participação no esquema é essencial para sustentar a acusação de compra de votos. Gurgel utilizou principalmente testemunhos para ligar o ex-ministro ao mensalão.
"O autor intelectual, quase sempre, não fala ao telefone, não envia mensagens eletrônicas, não assina documentos, não movimenta dinheiro por suas contas, agindo por intermédio de 'laranjas' e, na maioria dos casos, não se relaciona diretamente com os agentes que ocupam os níveis secundários da quadrilha", disse o procurador, tentando adiantar-se a argumentos de advogados de defesa que afirmam não existir provas contra o ex-ministro.
"O ministro José Dirceu estava rigorosamente em todas", afirmou Gurgel. "Nada, absolutamente nada, acontecia sem consentimento de José Dirceu."
Segundo o procurador, Dirceu foi "o mentor" de todo o esquema que envolvia empréstimos bancários e contratos de publicidade, inclusive com uso de recursos públicos, para o pagamento de acordos políticos firmados com partidos políticos – PP, PTB, PL e PT – a fim de garantir a sustentação parlamentar nos primeiros anos do governo Lula.
Gurgel afirmou aos ministros do STF que há elementos suficientes para condenar 36 réus – ele não pediu a condenação de dois réus por falta de provas: Luiz Gushiken, ex-ministro de Lula, e Antonio Lamas, parente de um ex-dirigente do antigo PL.
Dentre as provas citadas por Gurgel contra Dirceu estão os depoimentos prestados pelo empresário Marcos Valério, pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson, pelo ex-tesoureiro do PTB Emerson Palmieri, pelo ex-presidente do PL (hoje PR) Valdemar Costa Neto e pelo ex-presidente do PP Pedro Corrêa.
Gerente. O núcleo político, encabeçado por Dirceu, e que comandava os outros dois núcleos – financeiro e publicitário – era também composto pelo ex-presidente do PT José Genoino, pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e pelo ex-secretário-geral do partido Silvio Pereira. Gurgel acusa Delúbio de ser uma espécie de gerente do esquema, que fazia "o elo entre Dirceu e os núcleos publicitário e financeiro".
De acordo com o acusador, Delúbio era encarregado de manter contatos com o pivô do mensalão, o empresário Marcos Valério, apontado por Gurgel como coordenador operacional do esquema. Caberia aos dois viabilizar a obtenção de recursos para a compra da base aliada. Segundo Gurgel, os saques de recursos no Banco Rural eram feitos a mando de Delúbio, que também indicava a Marcos Valério para quem deveriam ser distribuídos.
O procurador afirmou que Valério procurou integrantes do PT no início do governo Lula para montar em âmbito nacional o que havia feito em Minas Gerais durante o governo de Eduardo Azeredo (PSDB-MG), esquema que também será julgado pelo STF. A engrenagem financeira montada por Valério em favor do PT transformou-o em prócere figura no PT, de acordo com Gurgel. "De mero financiado, (Marcos Valério) tornou-se pessoa influente, homem de confiança de José Dirceu", disse o chefe do Ministério Público.
O repasse de dinheiro em espécie para os partidos eram feitos, conforme a acusação, em datas próximas às votações importantes para o governo.