Para
muitos, o Sábado de Aleluia é apenas um dia de faxina ou de preparação para a
Páscoa. No entanto, esse dia sem liturgia tem um significado espiritual
próprio. Jesus morreu por nós, e permaneceu três dias no sepulcro. Assim,
também deveríamos nos dedicar com plena consciência ao teor espiritual desse
dia. Isso acontece melhor em meio ao silêncio, quando nos posicionarmos quanto
à verdade e à situação sepulcral de nós mesmos.
Cristo
desceu ao reino da morte, ao Hades, o reino das sombras. Posso imaginar como
Jesus desce aos cantos tenebrosos de minha própria existência. O que excluo da
vida? Quais os lugares para os quais não gosto de olhar? Onde foi que tratei de
recalcar alguma coisa, empurrar algo para as câmaras escuras de minha alma?
Para onde me nego a olhar? O que pretendo esconder de mim mesmo, dos outros e
de Deus? Jesus propõe-se descer exatamente a esses rincões da morte e da
escuridão, para mexer em tudo o que há de escuro e rançoso em mim, tudo o que
há de mortiço e entorpecido, e então despertar-me para a vida.
Os
ícones da Igreja oriental sempre representam a ressurreição de Jesus com Cristo
subindo do reino dos mortos, trazendo consigo os mortos pela mão. No dia de
Sábado de Aleluia permito que Cristo desça até o meu reino dos mortos, para que
tome todos os mortos pela mão, inclusive o que há de morto em mim mesmo, e nos
reconduza à luz, a fim de despertar-nos para a vida.
Cristo
esteve no sepulcro. Assim, o Sábado de Aleluia convida-me a olhar para minha
própria situação sepulcral. O que me caberia enterrar? Que feridas em minha
história de vida precisam ser enterradas de uma vez por todas? Quando sepulto
todas as ofensas, paro de usá-las como armas para agredir as outras pessoas.
Não as carregarei mais em mim mesmo, como se fossem uma recriminação tácita aos
que feriram em algum momento. Com isso, posso descartar minha mágoa, meus
ressentimentos e minha irritação. Não preciso de mais nada disso como pretexto
para justificar minha recusa a olhar a vida de frente.
Pretendo
sepultar também os sentimentos de culpa que consomem e dos quais não consigo me
afastar. Preciso ter confiança em que Cristo também desceu ao meu sentimento de
culpa e a todo martírio interno que imponho a mim mesmo, com auto-acusações; e
desceu até aí para libertar-me. Quando paro de andar em círculos em torno de
minha culpa, aí sim realmente posso despertar para a vida nova.
No
Sábado de Aleluia desço até meu próprio sepulcro e imagino de que forma Cristo
repousa lá, a fim de trazer tudo o que lá está para uma nova vida. Cristo
desceu ao sepulcro de meu medo, minha resignação, minha autocompaixão e minha
morbidez, a fim de salvar-me e transformar-me no mais fundo de minha alma. Para
ressuscitar na Páscoa como uma pessoa salva e liberta, preciso ter a coragem de
meditar acerca de meu sepulcro e de sepultar tudo o que me distancia da vida.
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