segunda-feira, 22 de abril de 2013

Diário do Nordeste - As faces da juventude entre a modernidade, pobreza e o caos


A série de reportagem que começa hoje mostra a juventude de Fortaleza por meio de seus protagonistas

Entre ruas, vielas, becos e avenidas, dentro de shoppings, nas favelas ou trancados em luxuosos condomínios. Na quinta Capital mais populosa do Brasil, circulam 718. 613 jovens entre 15 e 29 anos, representando 29,3% da população fortalezense. São indivíduos que permeiam realidades paralelas e, muitas vezes, moram em bairros vizinhos. Enquanto uma parcela tenta fugir das drogas, da criminalidade e da violência, mesmo vivendo em lugares extremamente vulneráveis, outra mergulha de cabeça nesse cenário e acaba interrompendo a vida prematuramente.

Bruno de Morais confessa ter medo de sair de casa por causa das drogas Fotos: Fabiane de Paula

Neste universo, 63% vivem em famílias com renda per capita inferior a um salário mínimo e 21% são pobres ou miseráveis. Um cenário gerado pelo desemprego, desocupação, despreparo, desqualificação profissional, e desamor. São tantos "des" que resta aos jovens pais sustentarem seus filhos com os benefícios do Poder Público. Sem perspectiva, acomodam-se em um submundo com ausência de cultura, lazer, arte e diversão. O futuro passa despercebido pela janela de casa.

É sobre esse perfil de juventude que a série de reportagem iniciada hoje pretende se debruçar. Na tentativa de encontrar estes jovens, o que fazem, do que precisam, quais as expectavas futuras e o que está sendo feito por eles, a equipe escutou histórias de sucesso, tristeza e superação. Uma juventude tematizada como fase transitória para a vida adulta, em que esforços coletivos da família e da escola deveriam preparar esses jovens para que se tornem socialmente ajustados e produtivos. Contudo, muitos deles se perdem pelo caminho diante da carência de políticas públicas.

Especialistas são unânimes em dizer que faltam investimentos e uma atenção especial para que esses cidadãos, que deveriam ser peças fundamentais para o desenvolvimento do Estado, possam, de fato, se reconhecerem como sujeitos participantes da democracia social.

Levantamento

Essas incoerências se revelam em pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), baseada no Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que aborda características de indivíduos com idade entre 15 e 29 anos, moradores de Fortaleza, relacionadas com temas como educação, trabalho e renda. A intenção é subsidiar o debate sobre a população jovem, considerando o âmbito das políticas públicas.

Segundo o levantamento, entre os bairros mais populosos, a juventude de Fortaleza se concentra principalmente na Barra do Ceará, com 22.577 jovens de idade entre 15 e 29; seguido do Modubim, com 22.306; Vila Velha que acolhe, 17. 336 pessoas nessa faixa etária; Granja Lisboa, com 16.033; e, em quinto lugar, o Jangurussu, com 15. 196 jovens nessa faixa etária.

No entanto, se considerarmos a proporção de jovens de cada bairro em termos relativos, as localidades com a maior quantidade deste público são Benfica, com 8. 970 moradores, sendo 2.960 jovens, e o bairro Edson Queiroz, com 22.210 residentes dos quais, 7.329 têm entre 15 e 29 anos. Nos dois bairros 33% da população é jovem. As outras localidades são Curió (32,7%), Conjunto Palmeiras (32,4%) e Genibaú (32,6%).

Sabrina Lima Freitas, 19 anos, nasceu na Granja Portugal, bairro que acolhe cerca de 16 mil jovens. Desde cedo, a menina teve que conviver com um cenário de negação, onde o crime impera. Filha de uma empregada doméstica e de um pedreiro, ela sentiu a necessidade de contribuir na renda da família e, aos 17 anos, começou a seguir a profissão da mãe.

Porém, nunca desistiu do sonho de estudar e se graduar em Biologia. Após dois anos no emprego, Sabrina notou que seu rendimento caiu na escola e então pediu ao pai para se dedicar somente ao estudo. "À noite eu faço cursinho para o vestibular e hoje eu só estudo. Queria ser bióloga, mas tenho consciência da dificuldade", destaca.

Bruno de Morais Bezerra, 15 anos, vive no bairro vizinho ao de Sabrina, Granja Lisboa. O menino carrega na mochila seus sonhos para o futuro e confessa que, diariamente, recusa propostas para se envolver com o tráfico de drogas. Na tentativa de evitar confrontos, ele e a irmã limitam suas vidas ao percurso de casa para escola. "Me oferecem drogas todo dia. Muitos colegas meus hoje são traficantes e, por isso, evito falar com eles. Minha mãe sempre disse que eu poderia fazer qualquer coisa menos ir pelo mau caminho", diz.

Universo paralelo

Em um mundo totalmente antagônico ao de Sabrina e Bruno, a jovem Camille Pinheiro Boa Vista, estudante do primeiro semestre do curso de Arquitetura de uma universidade particular, só conhece essas histórias pela televisão. Camille é filha de empresário, foi criada em um bairro nobre de Fortaleza, o Cocó, confessa que nunca precisou se locomover de ônibus.

Apesar de ter trabalhado como voluntária em projetos sociais, a jovem acredita que de perto o cenário da pobreza deve ser bem diferente. Para o futuro Camille sonha em ser uma arquiteta bem sucedida e reconhecida pelo seu trabalho.

Na intenção de aproximar esses mundos paralelos e reduzir a vulnerabilidade dos bairros mais populosos, o titular da Coordenadoria Especial de Juventude de Fortaleza, Élcio Batista, afirma que o primeiro passo é conhecer essa juventude.

Nesta busca, a pesquisa do Ipece e o dados do Cadastro Único, envolvendo a faixa etária de 15 a 29 anos, estão servindo de base para que a Órgão possa pensar em soluções. "No fim de maio, vamos lançar o primeiro documento da Coordenadoria de Juventude, reunindo todas as informações desde a área de saúde, passando por educação e economia. A partir daí focaremos onde há uma maior concentração de jovens. Ofertando cultura, esporte e assistência", avalia o coordenador Élcio Batista.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

Negação de direitos e falta de políticas públicas

A situação da maioria dos jovens de Fortaleza não difere dos dados de pesquisas nacionais e latino-americanas. Estes denunciam um quadro de negação de direitos que contribui para uma integração precária do segmento juvenil às escassas e pontuais estruturas de oportunidades criadas pelos três setores fundamentais: Estado, mercado e sociedade.

A desigualdade social, aliada a fortes apelos materialistas e de consumo, à desagregação familiar, à falta de cultivo de valores éticos, de solidariedade e de cultura de paz, tem criado um cenário potencializador das diversas formas de violência. Esta dinâmica produtora de violência não é percebida nem pelos governantes, nem pela maioria dos profissionais de imprensa e muito menos pela população que continua vendo nos adolescentes infratores e nos instrumentos legais para a proteção de crianças e adolescentes a causa de toda a insegurança social.

Fortaleza figura entre as 50 cidades mais violentas do mundo. Os dados oficiais de 2012 e de 2013 são revoltantes: 1.628 pessoas assassinadas em 2012, o que dá uma média superior a quatro homicídios por dia; nos primeiros meses de 2013 já foram 444 homicídios. Uma realidade que contrasta com o cenário de extrema beleza de nossas praias, cartões postais, praças e bairros. Lugares onde a juventude poderia estar sendo protagonista e não vítima da violência gerada pelo tráfico de drogas e a busca pelo ter.

Em meio a esse narcisismo e essa vida sem controle, sem freio, crianças e adolescentes figuram entre as vítimas e entre os agressores. As causas externas (homicídios, suicídios e acidentes de trânsito) aparecem como a principal causa de morte daqueles que deveriam estar protegidos na família, em boas escolas e em projetos culturais, educacionais, esportivos. Frequentando as salas de cinema, de teatro, os parques diversão, circo e bibliotecas.

Os dados do Disque 100 mostram números igualmente desanimadores: em 2011 o Estado do ceará foi o sexto em denúncias de violência contra crianças e adolescentes: 3.994 casos. É possível ter esperança? Sim! Porque milhares de jovens afirmam que família e escola são as duas instituições mais importantes para eles.

Porque 99% dos jovens creem em Deus e o procuram nas igrejas, tempos e grupos de oração. Porque eles se mobilizam nas Organizações Não Governamentais (ONG´s) nos grupos, nas associações culturais e esportivas, mostrando seu potencial criador e criativo. Os jovens querem muito da vida e saberão dar uma resposta positiva às condições adversas a que estão submetidos. Basta investir e mostrar que eles são capazes.

Ercília Maria Braga de OlindaDoutora em Educação

Milagre que surge em meio à vida de privações
"Eu saio de casa escondido para estudar, vou para o grupo de debate sem que eles saibam, arrisco minha vida diariamente para construir o meu futuro e realizar o sonho de ser alguém na vida e fazer diferença na minha comunidade. Não tenho medo, só sei que preciso tentar". O relato é do jovem Diego Oliveira, 19 anos, morador da Granja Portugal. A atitude do jovem é provocada pela ameaças que sofre dos próprios primos, caso ele não se una a eles no tráfico de drogas.

Diego Oliveira passou por cima de todas as barreiras para conquistar o sonho de entrar em uma universidade pública. Fugindo do tráfico de drogas, ele quer servir de inspiração para outros jovens FOTO: FABIANE DE PAULA

"Na minha família é assim, quem passa para o outro lado é morto, mas eu nunca temi, talvez eu me sentiria mais morto se não fosse em busca do meu objetivo", analisa. Ele conta que, por diversas vezes, já lhe ofereceram drogas, porém sempre teve a consciência dos danos que os entorpecentes fazem na vida de uma pessoa e, por isso, nunca aceitou as provocações.

Sucesso

E toda essa persistência resultou em um milagre em meio à vulnerabilidade. O filho de um vigilante e de uma vendedora ingressou em uma universidade pública para o curso de Sistema da Informação. No entanto, Diego optou por uma universidade em outro Estado, longe dos primos, a Universidade Federal Rural de Pernambuco, no município de Serra Talhada, a 653 quilômetros de Fortaleza. Uma decisão difícil, já que Diego é muito apegado aos pais, mas acertada, segundo ele. E foi com o apoio do pai que ele conseguiu realizar a matrícula.

Os dois montaram em uma motocicleta e partiram para Serra Talhada, uma aventura que o jovem jamais vai esquecer. "Quando fui comprar as minhas passagens na rodoviária, não tinha mais o horário desejado, então meu pai fez a proposta de irmos de moto e eu topei. Foi um dia e meio de viagem, mas valeu a pena", ressalta.

Barreiras

No entanto, os desafios de Diego só estão começando. As aulas já se iniciam no dia 20 de maio e ele ainda não conseguiu um lugar para morar na cidade de Serra Talhada. "Vou com a cara e a coragem. Não conheço ninguém, na cidade, mas pretendo conhecer. Queria trabalhar dentro da própria faculdade, no entanto, se não der certo eu procuro outro ofício. Estou contando as horas para ir embora", diz.

O estudante reconhece que faz parte de uma minoria, mas acredita que tudo é possível se tiver vontade e fé. "Um dia um amigo meu chegou para mim e disse que pobre entra na universidade de ´gaiato´, pois ela não foi feita para todos. Portanto, sou um grande ´gaiato´, relata o estudante, sorrindo.

Para o futuro, Diego almeja se destacar na profissão e um dia poder voltar ao bairro onde nasceu para contar a sua história e ajudar outros jovens que, como ele, vivem em condições de grande vulnerabilidade em um universo repleto de privações.

"Eu me vejo um vencedor. Não foi nada fácil, mas eu me orgulho de ter conseguido alcançar o meu objetivo. Desejo futuramente poder encontrar um bairro bem melhor, onde a juventude seja respeitada e valorizada. Quero também passar a minha lição de vida para esses meninos e meninas. Mostrar para eles que é possível", ressalta.

Como Diego há outros meninos que rejeitam a criminalidade e buscam uma vida melhor na educação. Ítalo Ferreira, 15 anos, morador do Grande Bom Jardim, desde criança precisa lutar contra dois preconceitos: a cor da pele e o bairro onde mora. Filho de pais separados, a mãe educou ele e sua irmã com a renda dos vestidos que costura. Espelhando-se na matriarca da família, o menino nunca se envolveu com drogas.

Ítalo conta que aos nove anos começou a ajudar o tio em uma eletrônica, foi a partir daí que ele notou que a vida ia ser dura. "Logo que comecei a trabalhar, uma senhora disse para o meu tio que não queria ser atendida por mim, pois tinha medo que eu a assaltasse, fique supertriste mais não desisti". Apaixonado por informática Ítalo já concluiu oito cursos na área e sonha em um dia trabalhar no setor. "Acho que tudo é possível, eu uma dia serei um vencedor", diz.

Luta contra estigmas

O filósofo e educador social Joaquim Araújo adotou o Grande Bom Jardim como bairro e trabalha com a juventude há 13 anos. Ele conhece de perto o sofrimento e as angústias de jovens, pois visita as escolas, os grupos e as casas desses meninos e meninas. Para Joaquim, o bairro apresenta diversas carências que vão desde a falta de equipamentos de lazer, esporte e cultura até incentivos profissionais.

"São cerca de 78 mil jovens nos cinco bairros do Grande Bom Jardim. Somos 11 escolas de Ensino Médio e temos um grande índice de estudantes fora da sala de aula. No ano passado, o índice de alunos que desistiram da escola foi de 40%. Esse cenário é a consequência do aumento do tráfico de drogas", diz o educador, que também integra a Organização Não Governamental Centro em Defasa da Vida Hebert de Sousa(CDVHS).

Apesar das estatísticas, Joaquim destaca que antes de mais nada é preciso acabar com o estigma de que no bairro só há "marginais" e que todos os jovens são envolvidos com o crime. "Acho que o Governo deveria investir em uma política séria, que ofertasse lazer, educação de fácil acesso. Não é colocando policiais nas ruas que vão resolver a vulnerabilidade".


KARLA CAMILAREPÓRTER












Fonte: Diário do Nordeste

Nenhum comentário:

Piso salarial do professor: saiba quem tem direito ao reajuste nacional

  Presidente Jair Bolsonaro divulgou na tarde de hoje (27) um reajuste de cerca de 33% no piso salarial do professor de educação básica; con...