quinta-feira, 15 de março de 2012

A nossa luta é todo dia, pelo direito ao pão e também à poesia


Olá, colegas trabalhadores (as) em educação!


Como vocês já devem ter percebido, o dia em que se inicia a nossa Greve Nacional coincide com outra importante data do nosso calendário: o Dia Nacional da Poesia. Aproveito essa oportunidade para compartilhar uma reflexão inspirada na minha preferência por um clássico, que mostra quão nítida pode ser a relação entre a nossa luta, as artes e a poesia. Se nos levantamos todos os dias, seja para a batalha dos dias letivos, seja para mais um dia de luta nas ruas, não é por outra coisa, senão por uma educação muito mais defendida do que propriamente vivida.

Em 1954, João Cabral de Melo Neto contou em versos a história do retirante Severino, que emigra do sertão para a capital de Pernambuco em busca de uma vida menos sofrida. Ao longo da viagem, eis que o Severino retirante descobre que onde esperava encontrar vida, muito mais encontra a morte. E mesmo quando encontra vida, é a tal vida Severina, “aquela que é menos vivida que defendida”.

O retrato pintado por João Cabral em Morte e vida Severina é a sina de tod@s @s trabalhadores. Seja no campo ou na cidade, somos tod@s Severin@s, iguais em tudo na vida. Iguais em tudo e na sina de derramar muito suor, plantando o nosso trabalho em solo fértil ou estéril, tendo como única certeza a de não desfrutar do seu resultado, e contar sempre com uma recompensa tão ínfima que serve mais para sustentar nossa força, suficiente apenas para o próprio trabalho.

Quase seis décadas depois, tal retrato permanece vivo e atual. A nós, que tentamos construir a educação pública brasileira, representa não apenas a nossa vida, mas também a vida das nossas escolas, das nossas salas de aula, dos nossos alunos, dos nossos salários, que além da vida, tem também a mesma morte, igualmente Severina. Aquela em que se morre de fraqueza e de doença, e que, diante dos nossos olhos, definha um pouco por dia.

O mal da educação brasileira é mal de vida e morte Severina. De vida, porque é mesmo mais defendida do que construída. De morte, porque é daquele jeito que morre: seja de fome ou de doença, de tristeza ou desalento, desde que se garanta um pouco de morte por dia. Só não é tão Severina a morte da educação, porque não é morte muito morrida. É muito mais morte matada, consciente, planejada. Governo após governo, mata-se a educação pública e, no seu lugar, planta-se o analfabetismo funcional e a ignorância, no mesmo espaço em que depois serão colhidos os votos que sustentarão o mesmo ciclo Severino, que em nome da ambição de uns poucos engorda a miséria de quase todos.

A educação Severina é parafuso central dessa engrenagem que se sustenta dos vícios, dos preconceitos, e da divisão da nossa classe. É na escola Severina que se adquire essa cegueira, a cegueira Severina, que impede cada um de enxergar a própria vida e a própria morte Severina.

O nosso 14 de março, dia de poesia e de luta, serve para combatermos essa cegueira, a cegueira Severina, que mata não a cada um (a) de nós, mas a tod@s de uma vez só, através do nosso cansaço, da nossa angústia e da precariedade das nossas próprias vidas, que nos obrigam a deixar de lutar para ter o mínimo de descanso, de sossego, depois de termos empenhado nossa última gota de energia em prol unicamente do trabalho.

O nosso 14 de março serve para combatermos a ideia de que greve é coisa do passado, que não serve para nada. Que temos que encontrar outro jeito para exigir melhores condições de vida, melhor estrutura no trabalho. Serve para entendermos que é com educação que se pode eternizar palavras. E enquanto houver palavras, haverá poesia, porque a poesia é atemporal e inerente à sensibilidade humana.

O nosso 14 de março serve para entendermos que igualmente atemporal é a nossa luta e a nossa greve, porque enquanto houver exploração, haverá luta de classes. E o fruto da nossa luta hoje será colhido amanhã, em lutas muito maiores. Hoje, exigimos um piso salarial garantido por lei. Exigimos que sejam investidos 10% do PIB imediatamente na educação pública. Sem ao menos isso, estaremos fadados para sempre à mesma sina. Hoje, damos um primeiro passo, amanhã, construimos com as nossas próprias mãos uma sociedade em que não haja morte e nem vida severina.

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