Olá,
colegas trabalhadores (as) em educação!
Como
vocês já devem ter percebido, o dia em que se inicia a nossa Greve Nacional
coincide com outra importante data do nosso calendário: o Dia Nacional da
Poesia. Aproveito essa oportunidade para compartilhar uma reflexão inspirada na
minha preferência por um clássico, que mostra quão nítida pode ser a relação
entre a nossa luta, as artes e a poesia. Se nos levantamos todos os dias, seja
para a batalha dos dias letivos, seja para mais um dia de luta nas ruas, não é
por outra coisa, senão por uma educação muito mais defendida do que
propriamente vivida.
Em
1954, João Cabral de Melo Neto contou em versos a história do retirante
Severino, que emigra do sertão para a capital de Pernambuco em busca de uma
vida menos sofrida. Ao longo da viagem, eis que o Severino retirante descobre
que onde esperava encontrar vida, muito mais encontra a morte. E mesmo quando
encontra vida, é a tal vida Severina, “aquela que é menos vivida que
defendida”.
O
retrato pintado por João Cabral em Morte e vida Severina é a sina de tod@s @s
trabalhadores. Seja no campo ou na cidade, somos tod@s Severin@s, iguais em
tudo na vida. Iguais em tudo e na sina de derramar muito suor, plantando o
nosso trabalho em solo fértil ou estéril, tendo como única certeza a de não
desfrutar do seu resultado, e contar sempre com uma recompensa tão ínfima que
serve mais para sustentar nossa força, suficiente apenas para o próprio
trabalho.
Quase
seis décadas depois, tal retrato permanece vivo e atual. A nós, que tentamos
construir a educação pública brasileira, representa não apenas a nossa vida,
mas também a vida das nossas escolas, das nossas salas de aula, dos nossos
alunos, dos nossos salários, que além da vida, tem também a mesma morte,
igualmente Severina. Aquela em que se morre de fraqueza e de doença, e que,
diante dos nossos olhos, definha um pouco por dia.
O
mal da educação brasileira é mal de vida e morte Severina. De vida, porque é
mesmo mais defendida do que construída. De morte, porque é daquele jeito que
morre: seja de fome ou de doença, de tristeza ou desalento, desde que se
garanta um pouco de morte por dia. Só não é tão Severina a morte da educação,
porque não é morte muito morrida. É muito mais morte matada, consciente,
planejada. Governo após governo, mata-se a educação pública e, no seu lugar,
planta-se o analfabetismo funcional e a ignorância, no mesmo espaço em que
depois serão colhidos os votos que sustentarão o mesmo ciclo Severino, que em
nome da ambição de uns poucos engorda a miséria de quase todos.
A
educação Severina é parafuso central dessa engrenagem que se sustenta dos
vícios, dos preconceitos, e da divisão da nossa classe. É na escola Severina
que se adquire essa cegueira, a cegueira Severina, que impede cada um de
enxergar a própria vida e a própria morte Severina.
O
nosso 14 de março, dia de poesia e de luta, serve para combatermos essa
cegueira, a cegueira Severina, que mata não a cada um (a) de nós, mas a tod@s
de uma vez só, através do nosso cansaço, da nossa angústia e da precariedade
das nossas próprias vidas, que nos obrigam a deixar de lutar para ter o mínimo
de descanso, de sossego, depois de termos empenhado nossa última gota de
energia em prol unicamente do trabalho.
O
nosso 14 de março serve para combatermos a ideia de que greve é coisa do
passado, que não serve para nada. Que temos que encontrar outro jeito para
exigir melhores condições de vida, melhor estrutura no trabalho. Serve para
entendermos que é com educação que se pode eternizar palavras. E enquanto
houver palavras, haverá poesia, porque a poesia é atemporal e inerente à
sensibilidade humana.
O
nosso 14 de março serve para entendermos que igualmente atemporal é a nossa
luta e a nossa greve, porque enquanto houver exploração, haverá luta de
classes. E o fruto da nossa luta hoje será colhido amanhã, em lutas muito
maiores. Hoje, exigimos um piso salarial garantido por lei. Exigimos que sejam
investidos 10% do PIB imediatamente na educação pública. Sem ao menos isso,
estaremos fadados para sempre à mesma sina. Hoje, damos um primeiro passo,
amanhã, construimos com as nossas próprias mãos uma sociedade em que não haja morte
e nem vida severina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário