ENTREVISTA COM ALEXANDRE VENTURA
Pesquisador português, que participa nesta semana de congresso em São Paulo, fala da importância da avaliação de docentes para a qualidade do ensino
Nathalia Goulart
Alexandre Ventura: 'A avaliação precisa ter como foco o desenvolvimento do professor'
(Divulgação / Educar)
Diversos estudos comprovam que um bom professor é a variável mais
importante na melhoria do desempenho dos estudantes. Avaliar os docentes
deveria, portanto, ser prioridade para governos e gestores. No Brasil,
contudo, um sistema efetivo de avaliação ainda engatinha e uma prova
nacional de seleção de professores, anunciada em 2009, nem sequer saiu
do papel. Uma das maiores barreiras à criação de tal sistema de
qualidade são justamente os professores. "As pessoas não gostam de ser
avaliadas. Nós, por natureza, gostamos de avaliar os outros, mas quando
somos o objeto dessa avaliação reagimos mal e resistimos", diz Alexandre
Ventura, pesquisador português responsável pela implementação do
sistema de avaliação de docentes em Portugal. Ventura, que está no
Brasil para participar do maior evento de educação da América Latina, o Educar/Educador, que será aberto nesta quarta-feira, em São Paulo, concedeu a seguinte entrevista ao site de VEJA.
Existe resistência por parte dos docentes a avaliações? As
resistências dos professores a sua avaliação não são muito diferentes
da resistência de outros profissionais. As pessoas não gostam de ser
avaliadas. Nós, por natureza, gostamos de avaliar os outros, mas quando
somos o objeto dessa avaliação reagimos mal e resistimos. Procuramos
frear essa tentativa de controle que é a avaliação. Também não
costumamos ter muita confiança no resultado dessas avaliações. Temos
medo das consequências: hierarquização, redução da remuneração ou
demissão. Não acreditamos que os resultados correspondam àquilo que
desejamos. Todos nós temos uma autoimagem e ela geralmente é positiva.
Então, de forma ostensiva ou dissumulada, as pessoas reagem às
avaliações. Na teoria, todos são favoráveis a avaliar, mas quando ela se
concretiza – ou tem chances de se contretizar –, existe uma reação
contrária. Quando falamos de organizações sindicais, as coisas se
potencializam.
É muito difícil avaliar o professor? Sim. Estamos
falando da atuação de um profissional extremamente complexo, que precisa
ter domínio científico do conteúdo que leciona, deter ferramentas
pedagógicas para transmitir esse conhecimento e ainda manter um bom
relacionamento com os estudantes. As pesquisas ao longo dos últimos 40
anos nos mostram que medir tudo isso em uma avaliação é trabalhoso e
delicado. É preciso tempo, dinheiro e planejamento para levar a cabo uma
análise competente.
A corrente que defende a avaliação dos docentes é recente?
Esse é um assunto que vem sendo discutido há muito tempo,
principalmente nos Estados Unidos. Essa corrente nasce quando pesquisas
mostram que o professor é a variável mais significativa no sucesso ou
insucesso dos alunos. Há pelos três décadas, sabe-se que um professor
bom ou muito bom influencia de forma significativa o aprendizado. A
partir daí, compreende-se que a avaliação do professor é de extrema
importância. Com a globalização e a circulação mais rápida de
conhecimento, essa ideia se espalha com mais rapidez. As avaliações
internacionais praticadas nos últimos anos também contribuíram para a
disseminação da ideia de que é preciso avaliar o professor. Nenhum país
gosta de ficar mal na fotografia e muitos perceberam que investir no
professor é a chave para o progresso.
Como são feitas as avaliações ao redor do mundo? Ainda
existe uma heterogeneidade entre os modelos. Na França, a avaliação é
feita pela equipe pedagógica da escola. Na Inglaterra, o responsável é o
diretor da escola, e avaliadores externos também são treinados para a
avaliação. Em Portugual, são os próprios professores que avaliam uns aos
outros. Não existe um consenso sobre qual modelo funciona melhor. Eu
diria que um modelo bastante eficaz seria o que misturasse avaliadores
externos e internos. Mas trata-se de uma alternativa onerosa e pouco
utilizada.
Como desenvolver uma avaliação eficaz? O aspecto
essencial é que ela seja justa e eficaz. É preciso transparência nos
objetivos para que isso desperte confiança por parte dos professores. É
preciso também que ela não se baseie em um único aspecto do desempenho
do professor. Isso costuma ser tentador para muitas escolas: avaliar
apenas o plano de aula dos docentes ou apenas a maneira como eles se
portam na sala de aula. Isso só não basta. Por outro lado, corre-se o
risco de avaliar muitas coisas e, ao final das contas, não se avaliar
nada. É preciso ter a medida certa ou o caldo desanda. Por fim, é
preciso treinar bem os avaliadores, sejam eles agentes externos ou
internos da escola.
O que fazer com os resultados dessas avaliações? Em
primeiro lugar, só faz sentido levar a cabo a avaliação de desempenho
dos professores se ela vier para enriquecer a prática docente e,
consequentemente, a educação. Fazer da avaliação um fim em si mesma é
prejudicial. Neste caso, é melhor não ter avaliação alguma. O objetivo
essencial é encorajar a melhoria de professores e escolas. Aqueles que
são bons, precisam ser ainda melhores; aqueles que estão aquém do
desejado, precisam encontrar suporte para melhorar suas práticas. Em
última instância, defendo o afastamento de alguns profissionais que, por
uma série de fatores, não podem ser professores. Insistir em ter essas
pessoas na sala de aula é prejudicar o desenvolvimento do país.
Uma prática comum nas escolas é a autoavaliação. Ela é eficaz? A
autoavaliação é indispensável. Fazer com que escolas e professores se
olhem no espelho e reflitam sobre suas práticas é um ótimo exercício.
Ela ajuda também a desenvolver uma cultura de avaliação, e isso ajuda na
hora da realização de uma avaliação externa. Isso não quer dizer,
porém, que apenas a autoavaliação baste.
É possível afirmar que se os estudantes de um país vão mal em avaliações nacionais ou internacionais seus professores são ruins?
É extremamente perigoso estabelecer uma relação direta entre o
resultado dos alunos e a qualidade dos professores. A competência dos
docentes certamente é um fator que propicia um melhor aprendizado, mas
ele precisa estar orquestrado com outras variáveis. Não é possível
reduzir o sucesso ou insucesso de um sistema a apenas um fator de uma
engrenagem bastante complexa.
http://veja.abril.com.br
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