terça-feira, 29 de maio de 2012

Demóstenes aponta "conspiração" e admite amizade com Cachoeira


Por Maria Carolina Marcello

BRASÍLIA, 29 Mai (Reuters) - O senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) se disse vítima de "conspiração", em depoimento nesta terça-feira ao Conselho de Ética, e admitiu relação de "amizade" com Carlinhos Cachoeira, acusado de comandar uma rede de jogos ilegais.

Demóstenes apresentou sua defesa no processo por quebra de decoro parlamentar, no qual é alvo acusações de que teria usado seu mandato e suas relações para atuar em favor de Cachoeira, preso desde fevereiro.

O senador se disse vítima de uma "conspiração" de policiais federais e de integrantes do Ministério Público para "pegar um parlamentar e destruí-lo, criar um Estado policialesco". As acusações contra Demóstenes, que levaram o parlamentar a pedir no início de abril sua desfiliação do DEM, surgiram a partir de interceptações telefônicas da Polícia Federal.

O senador negou, durante o depoimento que durou pouco mais de cinco horas, que tenha relação com jogos ilegais, mas admitiu que mantinha uma amizade com Cachoeira.

"Eu jamais tive qualquer participação em esquema de jogos ilegais", afirmou. "Reafirmo que tinha amizade com ele (Cachoeira)", declarou Demóstenes, ressaltando que Cachoeira tinha muitas relações sociais e mantinha diálogos "com cinco governadores". Ao ser perguntado quais seriam, ele não quis responder.

Segundo o senador, Cachoeira teria garantido que trabalhava como empresário e que já não praticava atividade que pudesse ser considerada contravenção.

"O que ele disse a mim, disse também a outras pessoas, que não lidava mais com jogos", afirmou o senador aos colegas, que devem votar no fim de junho um relatório que pode recomendar sua cassação. Uma vez aprovado no Conselho de Ética, o relatório ainda será submetido a voto secreto no plenário do Senado.

O senador Humberto Costa (PT-PE), relator do processo no conselho, considerou as mais de cinco horas de depoimento "enriquecedoras".

Demóstenes afirmou ainda que chegou a pensar em renunciar ao seu mandato e que vive um momento que eu jamais esperaria passar.

"A partir de 29 de fevereiro deste ano, eu passei a enfrentar algo que nunca tinha enfrentando em minha vida: depressão, remédio para dormir e que não faz efeito, fuga dos amigos e talvez a campanha sistemática mais orquestrada da história do Brasil", afirmou no início de sua defesa.

"Pensei nas piores coisas, pensei em renunciar ao meu mandato", acrescentou.

CRÍTICAS A GURGEL

Demóstenes dirigiu críticas ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e questionou a decisão do procurador de não apresentar denúncia em 2009, quando recebeu informações da operação Vegas, realizada pela Polícia Federal.

"Ele prevaricou... Prevaricação exige o elemento que é para satisfazer sentimento ou interesse pessoal. Mas em relação à improbidade administrativa, é evidente", disse Demóstenes, argumentando que Gurgel deveria ter tomado alguma atitude como arquivar ou denunciar o caso ao foro competente.

"Mais dia, menos dia, ele vai ter que explicar por que fez dessa forma", acrescentou.

Sobre os procedimentos que tomou em relação ao caso, Gurgel respondeu por escrito à CPI mista que investiga as ligações de Cachoeira com políticos e empresário, que não havia indícios para acionar o Supremo à época.

O procurador afirmou, no entanto, que considerou as informações da operação "promissoras", e adotou a estratégia de não acionar o Supremo naquele momento o que, segundo ele, levou à Operação Monte Carlo, da PF, que resultou na prisão de Cachoeira.

"JOGANDO VERDE"

Em resposta a denúncias de que teria passado a Cachoeira informações de reuniões reservadas com autoridades do Executivo, Judiciário e Legislativo, Demóstenes afirmou que estava "jogando verde", para checar se o amigo tinha envolvimento com jogos ilegais.

"O único propósito era para saber se ele realmente estava no jogo", justificou.

O senador também negou ter atuado como "lobista" da descriminalização dos jogos. "Jamais fiz isso", disse. "Que lobista sou eu que nunca procurou nenhum colega senador para legalizar jogo?", questionou.

TELEFONE DE CACHOEIRA

Pesam ainda contra Demóstenes denúncias de que teria utilizado um aparelho de telefone/rádio oferecido e pago por Cachoeira. O telefone, habilitado nos Estados Unidos, seria protegido contra interceptações telefônicas.

O senador argumentou ter aceitado o telefone por "comodidade" e que usava o aparelho para se comunicar com "várias pessoas". "Eu não tinha como adivinhar que isso era utilizado para outras finalidades."

Demóstenes negou ainda ter recebido a informação de que o telefone não poderia ser grampeado e recebeu críticas de seus colegas.

"Como pode um senador da República ter qualquer coisa doada por qualquer cidadão? Quanto mais um cidadão que era um contraventor, de conhecimento público?", questionou o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).

No início de seu depoimento, o senador utilizou a tese de sua defesa, que critica toda a investigação sobre o envolvimento entre Demóstenes e Cachoeira. Seus advogados argumentam que a investigação e coleta de provas tinha de ser autorizada pelo STF, uma vez que o senador tem foro privilegiado.

Embora critique a validade das gravações, Demóstenes utilizou algumas delas para exemplicar o que acredita ser uma descontextualização dos diálogos.

Humberto Costa afirmou que com esse precedente, também pode utilizar as interceptações. "Ele usou vários trechos de degravações da Polícia Federal, o que também me dá a liberdade de usá-los ao longo do relatório", disse a jornalistas. Segundo Costa, em cerca de três semanas deve concluir seu parecer.

Demóstenes também é alvo de inquérito aberto em março pelo STF, que solicitou a quebra do sigilo bancário do senador por suas ligações com Cachoeira.

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