Educação
Parlamentares querem elevar para 10% do PIB a despesa do governo com o setor; ponto fundamental, que é a qualidade do gasto, foi esquecido
Keila Cândido
Gasto médio com crianças e adolescentes é cinco vezes menor que com universitários (Cristiano Mariz/VEJA)
No começo de julho, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez uma observação que provocou toda sorte de protesto. Referindo-se ao Plano Nacional de Educação (PNE) que tramita no Congresso, e que propõe elevar para 10% do Produto Interno Bruto (PIB) os investimentos em educação, ele sentenciou: “Desse jeito, o Plano de Educação quebra o estado". A revolta nos círculos (e redes) sociais é compreensível. Afinal, ninguém jamais ouviu o ministro da Fazenda se opor de forma tão contundente a outros desperdícios do estado brasileiro como os vultosos salários e gratificações do Congresso Nacional, o elevado custeio da máquina pública ou o tamanho do funcionalismo. Mas, apesar de ser consensual a necessidade de ser dar um salto de qualidade na educação, é preciso admitir que a análise do ministro da Fazenda não de todo é infundada. Dobrar simplesmente o atual patamar de gasto com educação (5% do PIB) implicaria em lançar 200 bilhões de reais a mais na coluna das despesas públicas até 2020. De onde sairia o dinheiro? Como essa soma impactaria a situação fiscal do país? Essas perguntas continuam sem resposta. Assim como continuam obscuras noções que poderiam profissionalizar as discussões sobre o PNE: de quanto dinheiro a educação precisa, onde consegui-lo e como garantir que ele seja aplicado de forma eficiente em creches, escolas e universidades.
O PNE – As discussões sobre o atual PNE, que vai vigorar até 2020, carecem de qualidade. Ao longo de dezoito meses, deputados e senadores – instigados por movimentos sociais, sindicatos de professores, ONGs, etc, e pelo clima eleitoral, que os leva a encampar, sem análise aprofundada, projetos com forte apelo popular – foram incorporando demandas adicionais de recursos a cada nova reunião. Assim, dos atuais 5% de gastos com educação enquanto proporção do PIB, os valores foram subindo, subindo, até parar nos 10% aprovados pela Câmara em 26 de junho. Sem fazer contas, o número parece representar a panaceia para todos os males do setor. Nada garante, entretanto, que o desembolso adicional de 200 bilhões de reais no período implique melhoria do ensino. “A discussão em cima do PNE está mais eleitoreira do que deveria. Os problemas fundamentais, e que ninguém discute, são a qualidade dos serviços oferecidos, para onde está indo o dinheiro que já está sendo gasto e a efetividade das ações recentes do governo”, declarou Nilson Oliveira, pesquisador do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial.
Gasto avança – No Parlamento, enquanto ecoavam reclamações por mais recursos, pouco destaque era dado a um importante indicador: o investimento no setor já se encontra em expansão. Os valores destinados à educação crescem cerca de 0,3 ponto porcentual do PIB ao ano desde 2000. No ano passado, o setor público investiu 5,1% do PIB no segmento, o equivalente ao que é verificado em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Até junho deste ano, o investimento que mais cresceu, exceto o gasto com o programa Minha Casa, Minha Vida, foi em educação. De acordo com dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do governo federal, o MEC recebeu 4,61 bilhões de reais na primeira metade de 2012. Entre janeiro e junho de 2011, o valor transferido totalizou 2,68 bilhões reais, o que implicou um aumento de 1,93 bilhão de reais na comparação entre os semestres.
A evolução dos gastos com educação não tem resultado, porém, em melhoria nos índices de avaliação de desempenho dos estudantes. No último exame do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realizado em 2009, o Brasil ficou em 53º lugar em leitura e em 57º em matemática, numa lista de 65 países. A nota média nacional foi, por exemplo, de 412 pontos em leitura, um verdadeiro vexame. Os alunos do país guardam distância abissal quando comparados aos estudantes de Xangai, na China, cuja pontuação foi de 556. Em matemática, um confronto ainda mais desigual: 600 pontos para os chineses e 386 para os brasileiros.
5, 7 ou 10 por cento? – O ministro da Fazenda, Guido Mantega, também defendeu a tese de que o orçamento comportaria um gasto de, no máximo, 7% do PIB. Especialistas ouvidos pelo site de VEJA dizem que dar este salto não seria absurdo, tendo em vista que há muito a construir. Na opinião de Oliveira, um avanço para 7% do PIB só será consistente se for estabelecido um plano de melhorias. “A verba pode até ser usada, mas deve ser feita uma avaliação detalhada sobre seu impacto e efetividade”, disse.
Para Fernando Veloso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV), mais importante que aumentar os recursos é a maneira como serão utilizados. “Só faz sentido haver aumento do gasto se ele for focado e eficiente, em conformidade com um pacote de medidas que realmente promova avanços na educação.”
Para Oliveira, o Brasil não avalia de maneira adequada os investimentos em esforços novos que têm sido empreendidos, como, por exemplo, a desastrosa ampliação das universidades federais no governo Lula. Tampouco se faz uso das estatísticas dos exames de avaliação para promover mudanças. Em resumo, há um uso inadequado dos recursos.
Tema em foco: Crise nas universidades federais
Logo, a promoção de uma verdadeira revolução no modo de gastar o dinheiro da educação – com qualificação e remuneração adequada de professores, a criação de um sistema baseado na meritocracia, etc – representa um passo essencial. E tal debate não teve ambiente adequado para prosperar nas discussões do PNE em curso no Congresso Nacional.
Contas públicas – É preciso pensar seriamente também em como acomodar os gastos adicionais em nossas finanças sem causar um problema fiscal. Ainda que um dispêndio equivalente a 7% do PIB seja considerado aceitável pelo próprio ministério da Fazenda, não será tarefa simples acomodá-lo na próxima década. A primeira dificuldade são as próprias surpresas do Orçamento. Muitas vezes, por razões políticas, são aprovados dispositivos, como um aumento expressivo do salário mínimo, que podem tornar essa missão mais espinhosa.
A cada ano, o governo precisa considerar todos os gastos previstos, e não fazer uma conta isolada. Por isso, avalia o economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Mansueto Almeida, estabelecer um gasto rígido com educação em relação ao PIB é ruim. Ele também aponta que o porcentual de desembolso tem de surgir de uma análise das reais necessidades da área e não ser fixado previamente. “É preciso olhar o cenário educacional e definir o quanto precisa gastar para melhorar”, resumiu. “A pergunta que deveria ser feita é: ‘quanto o Brasil precisa investir para acabar com o atraso educacional’? Desta forma, o governo pode calcular o quanto precisa ao longo do tempo e controlar outras despesas”, acrescentou.
O fator ‘crise’ – Além de definir melhor como usar os recursos, o Planalto terá de se preocupar em definir as receitas que permitirão realizar o pagamento. Em tempos de crise, essa conta fica mais difícil de ser feita. Nesta sexta-feira, por exemplo, o Ministério do Planejamento elevou em 912 milhões de reais a projeção para a arrecadação tributária, mas, ao mesmo tempo, espera um gasto 412 milhões de reais maior com despesas obrigatórias – a maior parte delas deriva de recursos para subsídios criados para salvar o PIB nacional da crise.
Ante a desaceleração do crescimento econômico e os benefícios fiscais, Almeida sugere reduzir o gasto em outras áreas, como a previdenciária, por exemplo, estabelecendo idade mínima para aposentadoria e redefinindo as regras de pensões. Seria possível assim abrir espaço para redirecionamento de verbas para educação.
Adicionalmente, para conseguir aumentar, de forma sustentável, o gasto com educação em dois pontos porcentuais do PIB nos próximos oito anos, o governo terá de discutir outras reformas. “Queremos gastar muito com Previdência, muito com saúde, muito com educação, mas o Orçamento não comporta. Por isso, somos o país emergente com a maior carga tributária”, concluiu. No futuro, outra fonte de recursos para atender aos anseios da população pode ser a receita da exploração da camada pré-sal.
Enfim, é preciso planejamento – tanto da reformulação do sistema de ensino, de modo a gastar com eficiência e corrigir as escandalosas distorções atuais, quanto da incorporação destes gastos nas contas públicas.
(com reportagem de Naiara Infante Bertão)
FONTE: http://veja.abril.com.br
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