A situação da Igreja: uma
ameaça, uma chance - I
Caro Internatua, saiu o resultado do último censo
no tocante à religião no Brasil. Diminuiu o número de católicos, como já era
de se esperar. Por todos os lados aparecem análises desse resultado. Em maio
de 2006 escrevi sobre este tema. Não mudo uma vírgula do que escrevi naquela
época. Cada vez que sai uma nova pesquisa, republico o meu texto, porque é o
que penso e me apraz compartilhar com outros esta análise... Aqui vai ela
mais uma vez, toda inteira, tal como escrevi em maio de 2006, sem tirar nem
pôr!
Recente estudo, apresentado na PUC de São Paulo,
dá conta que a cada ano, no Brasil, a Igreja católica perde 1% de seus fiéis.
Há gente muitíssimo preocupada com isso. É bom mesmo! Gostaria de partilhar
com você, caro Visitante, alguns pensamentos sobre esta realidade.
(1) É necessário, antes de tudo, compreender que
parte deste fenômeno é típico de nossa época e, neste
sentido, não podemos fazer nada para detê-lo. Pela primeira vez
na história humana a população mundial é preponderantemente urbana, vivendo
num intenso processo de massificação, desenraizamento cultural e
despersonalização e pressionada por uma gama desumanizante de informação. Os
meios de comunicação, com sua incrível força de penetração, e o excesso de
ideias em circulação desestabilizam os valores das pessoas e das
sociedades de modo nunca antes imaginado. Esse fenômeno faz com que se
perca o sentido e o valor da tradição. Não faz muito tempo, cada
pessoa era situada em relação à sua família à sua comunidade. O indivíduo
sabia quem era, de onde vinha, quais seus valores, qual seu universo
existencial... Agora, isso acabou: cada um se sente só, numa corrida louca
para ser feliz a qualquer custo, iludido, pensando que os valores dos
antepassados e do seu grupo só são valores se interessarem a si próprio,
individualmente: é verdade o que é verdade para mim; é bom o que realiza meus
desejos e expectativas; cada um é a medida do bem e do mal. É triste, mas
cada pessoa acha que tem o direito e o dever de começar do zero e
"redescobrir a roda", de fabricar sua receita de felicidade,
determinando de modo autônomo o que é certo e o que é errado, o que é bom e o
que não é. Isto é pura loucura, mas é assim! E lá vamos nós, gritando:
"Eu tenho o direito de ser feliz; a vida é minha e faço como eu quero.
Eu decido o que é certo e o que é errado..."
(2) No tocante à religião, o homem da
sociedade consumista e hedonista do Ocidente não está à procura da verdade,
mas sim do bem-estar. A sociedade ocidental já não crê que se possa
atingir a Verdade e viver na Verdade. Agora há somente a verdadezinha de cada
um, feita sob medida: é "verdade para mim" o que me faz sentir bem,
o que resolve minhas necessidades imediatas. Religião não é mais
questão de aderir à Verdade que dá sentido à existência, mas sim de entrar
num grupo que resolva meus problemas afetivos, emocionais, de saúde e até
materiais... Religião não é um modo de servir a Deus e nele me
encontrar, mas um modo de me servir de Deus para resolver minhas coisas... Como
diz o Edir Macedo, a Bíblia é uma ferramenta para se conseguir aquilo que se
quer! Vivam RR Soares, Edir Macedo e companhia...
(3) A urbanização violenta e massificante faz com
que as pessoas busquem refúgio em pequenos grupos que lhes
proporcionem aconchego e segurança. Por isso as seitas atraem tanto: elas
criam um diferencial entre mim e o mundo cão; dão-me a sensação de estar
livre do monstro da desumanização, do anonimato, da nadificação...
Veja bem, meu Leitor, que contra esta realidade a
Igreja não pode fazer muito. A multidão continuará presa das ideias
desvairadas dos meios de comunicação; a busca do bem-estar egoístico
continuará fazendo as pessoas buscarem a religião como um refúgio e um pronto
socorro e, finalmente, a busca de se sentir alguém, fará as pessoas
procurarem pequenos grupos nos quais se sintam acolhidas e valorizadas.
A situação da Igreja: uma ameaça,
uma chance - II
Mas, por que este fenômeno atinge sobretudo os
católicos? Por vários motivos:
a) Somos a massa da população brasileira e não
temos como dar assistência pastoral personalizada a todos os fiéis. Isso
seria praticamente impossível, mesmo que tivéssemos o triplo do número de
padres e agentes de pastoral...
b) Historicamente, nossa catequese deixou
muito a desejar e nas últimas décadas piorou muito: é uma catequese de
ideias vagas, mais ideológica que propositiva, ambígua, que não tem
coragem de apresentar a fé com todas as letras... Ao invés, apresenta a opinião desse
ou daquele teólogo... Assim, troca-se a clareza e simplicidade da fé católica
(como o Catecismo a apresenta) por complicadas e inseguras explicações, fazendo
a fé parecer uma questão de opinião e não uma certeza que vem de Deus; algo
acessível a especialistas letrados e não aos simples mortais. Céu, inferno,
anjos, diabo, purgatório, valor da missa, doutrina moral – cada padre diz uma
coisa, cada um acha que pode construir sua verdade... Tudo tende a ser
relativizado... Uma religião assim não segura ninguém e não atrai ninguém.Religião
é lugar de experimentar a certeza que vem de Deus, não as dúvicas e vacilações
dos tateamentos das opiniões humanas. É preciso que as opiniões cedam
lugar à certeza da fé da Igreja!
c) No Brasil há, desde os anos setenta, uma
verdadeiraanarquia litúrgica, ferindo de morte o núcleo da fé da
Igreja. Bagunçou-se de tal modo a liturgia, inventou-se tanta moda, fez-se
tanta arbitrariedade, que as pessoas saem da missa mais vazias que o que
entraram. A missa virou o show do padre ou o show
"criativo e maravilhoso" da comunidade. A missa tornou-se
autocelebração... Mas, as pessoas não querem show, criatividade nem
bom-mocismo: as pessoas querem encontrar Deus nos ritos sagrados! Hoje,
infelizmente, celebra-se com mais respeito e seriedade um culto protestante ou
um toque da umbanda que uma missa católica! No culto não se inventa, na umbanda
não se inventa; na liturgia da Igreja do Brasil, o clero se sente no
direito absurdo de inventar! Isso é um gravíssimo abuso e
uma tirania sobre a fé do povo de Deus! É muita invenção, é
muita criatividade fajuta. Bastaria abrir o missal e celebrar com devoção e
unção, cumprindo as normas litúrgicas...
d) A Igreja no Brasil, em nome de uma preocupação
com o social (que em si é necessária e legítima) descuidou-se dos
valores propriamente religiosos e muitas vezes fez pouco da religiosidade
popular (quantas vezes se negou uma bênção, uma oração de cura, a
administração de um sacramento, uma procissão com a presença do padre, o valor
de uma novena e de uma romaria...). Ora, hoje o “mercado” de religião é
diversificado: se o padre não sabe falar de Deus, o pastor sabe; se na
homilia não se prega a palavra, mas se a instrumentaliza política e
ideologicamente, o pastor prega a palavra; se o padre não dá uma bênção, o
pastor dá... Infelizmente, às vezes, tem-se a impressão que a Igreja é
uma grande ONG, preocupada com um monte de coisas e não muito atenta a
pregar Jesus Cristo e a sua salvação... Não se vê muito nossos padres e freiras
apaixonados por Cristo e pelo Evangelho. Fala-se muito em valores do
Reino, compromisso cristão, etc... Isso não encanta! Quem encanta, atrai,
comove, converte e dá sentido a vida é uma Pessoa: Jesus Cristo!
e) Outra triste realidade é o processo de
dessacralização. Parece que o clero e os religiosos perderam o sentido do
sagrado. Adeus ao hábito religioso, adeus à batina, adeus ao clergyman, adeus à
oração fiel e obediente da Liturgia das Horas, adeus ao terço diário
("para que terço?"), adeus ao ethos, isto é, àquele
conjunto de realidades, de modo de ser e de viver que fazia com que o povo
reconhecesse o padre como padre, o religioso como religioso, a freira como
freira.Parece que se faz questão de transgredir, de chocar, de desnortear a
expectativa do povo, de negar a identidade... Hoje tudo é ideologizado: a
pobreza é "espiritual" e não real, material, concreta; assim também a
obediência, a vida mística, a penitência e a mortificação e, muitas vezes, os
votos e compromissos... Tem-se, portanto,uma religião cerebral e
não encarnada na carne da vida, da existência concreta material... E nada mais
anticristão que um cristianismo cerebral...
f) Nossas comunidades são meio frias;
nossos padres não têm muito tempo. Não temos leigos capacitados para umapastoral
da acolhida, que faça com que nossas igrejas estejam abertas e tenham
pessoas para ouvir, aconselhar, consolar... Infelizmente, ainda que não
queiramos, às vezes a Igreja parece uma grande repartição pública e
impessoal... A paróquia somente terá futuro como cadeia de comunidades
vivas e aconchegantes, nas quais se façam efetivamente a experiência da
proximidade de Deus e dos irmãos...
g) As homilias em nossas missas são chatas
e moralizantes: só dizem que devemos ser bonzinhos, justos, honestos... A
homilia deveria ser anúncio alegre da Palavra que
comunica Jesus e sua salvação, tal como a Igreja sempre creu, celebrou e
anunciou. A homilia deve ainda ser fruto de uma experiência de Deus;
somente assim reflete um testemunho e não um exercício de propaganda. A
fé que devemos anunciar é a fé da Igreja, não nossas teorias e nossas idéias
estapafúrdias... Isso desnorteia e destrói a fé do povo de Deus. Por
que alguém seria católico se nem os ministros da Igreja acreditam realmente na
sua doutrina e na sua moral? Os padres nisso têm uma imensa
responsabilidade e uma imensa parcela de culpa!
A situação da Igreja: uma ameaça,
uma chance - III
Sinceramente, penso que o
número de católicos diminuirá mais e drasticamente. Mas, não devemos nos assustar.
Veja, caro Visitante, e pense:
1. O cristianismo nunca deveria ser uma
religião de massa. A fé cristã deve nascer de um encontro
pessoal e envolvente com Cristo Jesus. Somente aí é que eu posso abraçar o
ser cristão com todas as suas exigências de fee de moral. Nós estamos vendo o
fim do cristianismo de massa, que começou com o Edito de Milão, em 313, e com o
batismo de Clóvis, rei dos francos, e de todo o seu povo, em 496, na Alta Idade
Média. No Brasil, esse cristianismo de massa começou com a colonização e o
sistema do padroado. Aí, ser brasileiro e ser católico eram a mesma coisa. Ora,
será que no cristianismo pode mesmo haver conversão de massa?
2. A Igreja voltará a ser um pequeno
rebanho, presente em todo o mundo, mas com cristãos de tal modo
comprometidos com o Evangelho, de tal modo empolgados com Cristo, de tal modo
formando comunidades de vida, oração, fé e amor fraterno, que serão um
sinal, uma luz, uma opção de vidapara todos os povos da terra. Era isso que
os Padres da Igreja desejavam: não que todos fossem cristãos a qualquer
custo, mas que os cristãos fossem, a qualquer custo, cristãos de verdade, sal
da terra e luz do mundo, entusiasmados por Cristo e por sua Igreja católica.
3. O fato de sermos minoria e mais coerentes com o
Evangelho, nos fará diferentes do mundo e redescobriremos a novidade
e singularidade do ser cristão. Isso nos fará atraentes para
aqueles que buscam com sinceridade a Luz e a Verdade. Por isso mesmo, a
Igreja não deve cair em falsas soluções de um cristianismo frouxo e agradável
ao mundo, de uma moral ao sabor da moda, de um ecumenismo compreendido de modo
torto e de um diálogo interreligioso que coloque Cristo no mesmo nível das
outras tradições religiosas. Ecumenismo e diálogo religioso sim, mas de acordo
com a fé católica! O remédio para a crise atual e o único
verdadeiro futuro da Igreja é a fidelidade total e radical a Cristo, expressa
na adesão total à fé católica.
4. É imprescindível também melhorar e muito a formação
dos nossos padres e religiosos. Como está, está ruim. Precisamos de padres
com modos de padres e religiosos com modos de religiosos; precisamos de padres
e religiosos bem formados humana, afetiva, teológica e moralmente. O padre e o
religioso são pessoas públicas e devem honrar a imagem da Igreja e o nome de
cristãos; devem saber portar-se ante o mundo, as autoridades e a sociedade.
Nisso tem havido grave deficiência no clero e nos religiosos do Brasil...
É importante perceber que, apesar de
diminuir o número de católicos, nunca as comunidades católicas foram tão vivas,
nunca os leigos participaram tanto, nunca se sentiram tão Igreja, nunca houve
tantas vocações. Muitas vezes, os leigos são até mais fervorosos e
radicais (no bom sentido) que padres e religiosos. A Igreja está viva, a Igreja
é jovem, a Igreja continua encantada por Cristo! O clero e os
religiosos deveriam deixar de lado as ideologias, as teorias pouco cristãs e
nada católicas defendidas em tantos cursos de teologia e livros muito doutos e
pouco fiéis, e serem mais atentos ao clamor do povo de Deus e aos sinais dos
tempos – sinais de verdade, que estão aí para quem quiser ver, e não os
inventados por uma teologia ideologizada de esquerda! Além disso, é
necessário considerar que a Igreja não é nossa: é de Cristo. Ele a está
conduzindo, está purificando-a, está levando-a onde ele sabe ser o melhor para
que seu testemunho seja mais límpido, coerente e puro. Nós temos os nossos
caminhos, Deus tem os dele; temos os nossos planos e modos que, nem sempre,
coincidem com os do Senhor. Pois bem, façamos a nossa parte. Deus fará o resto!
Isso é o que eu penso, sinceramente, e com todo o
meu coração.
DOM HENRIQUE SOARES
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