sábado, 2 de novembro de 2013

DIA DE FINADOS


Giuseppe Bertazzo*





No século VII, na Igreja Católica começou-se a dedicar um dia do ano à comemoração dos defuntos. O Dia de Finados nasceu com um decreto do abade de Cluny, o maior mosteiro da cristandade medieval, determinando que os monges sob sua jurisdição fizessem a comemoração festiva de todos os fiéis defuntos no dia 2 de novembro. De lá, a comemoração espalhou-se pela Europa e foi trazida, com a religião católica, para a América e o Brasil. É o que estamos celebrando, mais uma vez, com as cerimônias tradicionais e as visitas aos cemitérios. Mas é bom lembrar que isso foi somente a adaptação por uma cultura e uma religião e a oficialização, na sociedade, de costumes que vêm desde os primórdios da humanidade, desde que o homem percebeu em si algo diferente dos animais e sinalizou sua humanidade enterrando os mortos com rituais. Isso nos chama a uma reflexão a respeito do que somos e de como nos colocamos diante da existência. 

A morte é algo que assusta? É parte da vida? É difícil ter um comportamento indiferente diante da morte. Aliás, é um assunto que se procura evitar: não é de bom gosto falar de morte e de mortos. Mas, pensando bem, talvez tenhamos que concordar com Leon Tolstoi, o escritor russo, que indagava: "Se um homem aprendeu a pensar, pense ele no que for, estará sempre pensando em sua própria morte... E que verdades há, se existe a morte?". Realmente, diante da morte, ambições e preocupações do cotidiano ficam reduzidas a pó. Sempre existirão, porém, dois marcos essenciais em nossa existência, duas "verdades" inevitáveis: nascimento e morte. "Há tempo para nascer e tempo para morrer", diz a Bíblia. Entre os dois extremos, uma vida. A minha vida. 

O nascimento é uma festa: congratulações, olha que gracinha!, viva! Na morte, o discurso é diferente. Bem que a humanidade disfarçou e disfarça, coloca flores para perfumar o ambiente, cria eufemismos, recusa-se em aceitar uma realidade que, no mínimo, deixa um rastro de saudade. Toda morte, toda ida "para melhor vida", é sempre uma perda. É essa perda que a humanidade não consegue aceitar. Não pode conceber que um ser consciente de sua própria existência possa desaparecer como fumaça, que se desfaça no nada. Não aceita, enfim, a definição que um filósofo lhe colou: ser-para-a-morte. Prefere outra, a do escritor A. Camus: "O homem é a única criatura que se recusa a ser o que ela é". 

Diante do problema da morte, a solução não pode ser simplesmente científica. Aceitar que nada se cria e tudo se transforma; que o corpo vira comida de vermes ou adubo para a terra, intelectualmente não é difícil. Mas a minha humanidade, o que farei com ela? Posso contentar-me em tornar-me uma simples lembrança? Alguém de quem se fala no passado, que morreu e desapareceu? Ao longo dos milênios da história humana, vemos que todas as culturas procuraram vencer a morte e fazer dela uma etapa de um caminho que leva a uma outra existência, continuidade dessa vida. Aliás, na maioria das culturas, a morte é a entrada para a "verdadeira" vida. 

A solução, enfim, não foi nem científica nem filosófica: foi teológica. Há quem diz que a religião foi "inventada" para vencer a morte. Podemos polemizar sobre a palavra inventar, mas não podemos negar que todas as religiões trabalham com a esperança e a promessa de uma vida após da morte (e se não o fazem, se reduzem sua mensagem a prometer o sucesso nesse mundo, nada mais são que "técnicas" de mercado). Um certo Michel Verret, querendo desacreditar a religião, afirmou: "As religiões são como o coveiro: vivem da morte". Não é vergonha para os coveiros, por que deveria ser para as religiões, se a esperança e a confiança na vida é o elemento básico de nossa existência? 

Ninguém pode assegurar cem por cento que tudo o que as religiões afirmam do além é, objetivamente, o que será encontrado. Temos muitos símbolos e imagens que a humanidade foi pintando ao longo dos séculos para representar algo do qual ninguém tem experiência direta. O que sobra, em todo caso, em qualquer religião séria, é a esperança e a certeza de a humanidade ser amparada por Deus (mesmo com concepções diferentes a respeito da divindade) que, sendo Vida e o princípio da vida, não pode permitir que o que ele gera se perca e volte ao nada. Para os cristãos é tudo questão de amor; para as religiões orientais somos parte da divindade; para os muçulmanos a clemência e a misericórdia de Alá/Deus não deixará os seus fiéis se perderem. 

O Dia de Finados existe para nos lembrar isso: que a morte existe, mas não domina. É, afinal, uma declaração de amor à vida: acreditamos nela, e nunca é acreditar demais. Tomara, portanto, que essa declaração de amor à vida nos leve a construir, aqui e agora, o mundo que sonhamos para depois de nossa morte, mas que poderia ter início desde já. Pensar na morte, pode ser semente de um mundo melhor, tanto aqui quanto lá.

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