sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Entre o céu e o inferno

Duzentos e trinta e três dias de governo Dilma Rousseff. Não me recordo de um início de governo tão paradoxal, que vagasse entre uma confiança cega da população de que tudo está indo às mil maravilhas, ao mesmo tempo em que pipocam aos quatro cantos escândalos de corrupção entre os subordinados diretos da presidente, que tem reagido também de forma dúbia, entre a tolerância e a dureza. Escândalos que começaram justo com o mais poderoso de todos os ministros, Antonio Palocci, da Casa Civil, indicação de Lula com aval da presidente, e seguiu para os ministérios dos Transportes, Turismo e agora Agricultura. Pastas para onde, coincidência ou não, seguiram não gente da cozinha do grupo de Dilma, mas aliados do PR, PTB e PMDB do vice-presidente Michel Temer.

Ao mesmo tempo, Dilma segue no céu. Mantém uma boa avaliação, num país que segue com boas taxas de emprego, crédito fácil e boa oferta de moradias para gente de todas as faixas salariais (ainda que os preços estejam elevados por pressão da demanda). Juros estáveis, moeda forte, mesmo todos os sustos causados pelas derrapadas da economia norte-americana não foram suficientes para agitar o mar de tranquilidade no qual a presidente ainda surfa. E tudo isso mesmo diante da inércia em relação aos projetos públicos – alguém mais ouviu falar do PAC? E das ações do Brasil sem Miséria, houve alguma novidade?

Um início conturbado, mas promissor. A exposição do uso indevido de cargos públicos de extrema importância e as respectivas punições aos responsáveis, quando comprovados os desvios, são extremamente benéficos para a política brasileira, possibilitando um ambiente hostil à corrupção e salutar à moralidade e à eficiência da gestão pública. Sobretudo quando isso afeta partidos que comumente aparecem em outros escândalos de corrupção, sem que nada os abale. Agora, porém, há algo diferente no ar. Ver um Palocci e um Alfredo Nascimento demitidos, e quem nitidamente faz de tudo para boicotar o governo, como vinha fazendo Nelson Jobim na pasta da Defesa (desde que Dilma decidiu que não iria mais comprar os caças franceses pretendidos por Lula, um gasto desmedido para um país que ainda luta para acabar com a fome). Ver a cúpula do Turismo na cadeia, ver o ministro da Agricultura ter de justificar práticas que ele considerava comuns, mas que não são. Num país que perdoou o mensalão, porque seria dinheiro para caixa dois de campanhas eleitorais, e não para o pagamento de propinas para deputados – como se admitir a existência de um caixa dois fosse menos grave, ou um crime menor, do que admitir propina –, é motivo de comemoração ver que peixes tão graúdos podem enfim ser extintos do poder, ou ter seu alcance bem minimizado, por decisão política da chefe de estado, que impõe uma ordem que suplanta em boa parte os acordões políticos, ainda que isso lhe custe ganhar um ou outro adversário político, como foi o caso do PR, que agora anunciou que está na oposição.

Quanto isso tudo vai custar a Dilma? Se ela conseguir manter o apoio popular e a economia tranquila, creio que muito pouco. Quem gosta do poder, vai fazer de tudo para continuar do poder, ainda que isso signifique se enquadrar em regras bem mais ortodoxas do que cumpriu a vida toda. Mas antes de qualquer enquadramento dar certo, vai haver também muita resistência e muita força para desestabilizar o governo, naquela velha ideia do “quanto pior, melhor”. Resta torcer para que Dilma seja fria o suficiente para controlar tormentas.

Começo do fimSe para Dilma se passaram 233 dias de governo, para a prefeita Luizianne Lins é mais do que hora de começar a contagem regressiva de sua gestão. Ela tem apenas um ano e quatro meses pela frente, mas isso não significa que não existam coisas a serem iniciadas. Isso mesmo. Não bastasse o que ainda não foi finalizado (Hospital da Mulher, requalificação da Praia de Iracema, inúmeras moradias populares, dois Cucas, o Transfor), Luizianne anuncia o início de outras obras de grande porte: a requalificação do restante da orla de Fortaleza (Beira-Mar, Titanzinho e Praia do Futuro) e outros três Cucas. Tudo, segundo a gestão, com recursos garantidos. Basta fazer a licitação e começar as obras, com término previsto para o final de 2012.

Contudo, como a prática mostra, não basta ter o dinheiro em mãos para fazer algo acontecer. A equação é mais complexa e inclui vontade política e competência técnico-administrativa e jurídica. Lógico que nenhum governo pode-se dizer finalizado, completo – a incompletude é até uma forma de alimentar a esperança do eleitor de que a continuidade seria melhor do que a mudança. Mas desde que haja parâmetros mínimos de um planejamento público honesto e viável. Não bastam boas ideias e vontade de transformar o mundo. Promessas ao vento não cabem mais na prática política.
Kamila Fernandes

kamilafernandes@opovo.com.br

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