As elites religiosas de
Israel, que assumiram o poder político após o fim da realeza da dinastia
davídica, elaboraram inúmeros preceitos legais, que foram atribuídos a Moisés,
apresentado na tradição como o grande legislador. Com isto sobrecarregavam e
oprimiam o povo humilde e simples com centenas de exigências de observâncias,
de difícil cumprimento para este povo, o que levava a que muitos fossem
humilhados com a qualificação de impuros e pecadores. Assim, por exemplo, era
considerado impuro aquele que tocasse em um animal doméstico morto (Lv 5,1-6)
ou comesse sem antes lavar as mãos (Mt 7,3 - "tradição dos antigos"),
o que poderia acontecer com frequência entre camponeses ou empobrecidos, em
contato com criações e em situações de carência de água. Quem se tornasse
impuro deveria levar ao sacerdote uma fêmea de gado miúdo para ele fazer o rito
de expiação, que o livraria do pecado. A mulher com fluxo de sangue era
considerada impura e, depois dos dias de suas regras, deveria levar ao
sacerdote duas rolas ou dois pombinhos, o qual os oferecia como sacrifício pelo
pecado (Lv 15,19). Até os doentes eram considerados impuros e pecadores, o que
os levava à exclusão do convívio com os considerados "puros" e "justos".
Na narrativa de hoje, o que constrange o leproso é a sua qualificação religiosa
de impuro e, portanto, pecador, com a sua consequente exclusão. Deve morar a
sós, fora da cidade, e apresentar-se com roupas rasgadas e aparência
descuidada, de maneira repugnante, proclamando sua impureza (primeira leitura).
Esta narrativa do evangelho
de Marcos revela que o empenho de Jesus não é a simples cura, mas a inclusão
social dos marginalizados. O agir de Jesus vai além do proporcionar a
recuperação do bem físico particular daquele homem. O seu objetivo maior é
promover a inserção plena dos excluídos em um convívio social fraterno e justo,
fundamental para uma vida saudável. Jesus vem para libertar todos os oprimidos
pelo sistema religioso, centrado no Templo de Jerusalém, com seus códigos de
pureza e impureza. Esta libertação passa pela consciência que ele quer
despertar nos excluídos de que a sua situação de exclusão é fruto de uma
injustiça sociorreligiosa e que esta não é a vontade de Deus. A imposição de
silêncio de Jesus ao homem purificado pode ser entendida como tentativa de
evitar que fosse visto como um simples taumaturgo resolvendo problemas
individuais e imediatos das pessoas. O seu envio ao sacerdote será um
testemunho da ação libertadora e vivificante de Jesus. Tendo tocado no leproso,
Jesus passa a ser visto como um impuro também, por isso evita entrar nas
cidades. Contudo, o gesto de Jesus revela também a sua indiferença diante do
preceito legal. E, ainda mais, há uma inversão de valores: ao invés de Jesus
contagiar-se é o leproso que fica purificado. Isto significa uma subversão da
ordem constituída: o sistema que exclui os impuros e pecadores é abolido pela
nova prática amorosa de Jesus que acolhe a todos, sem discriminações (segunda
leitura).
José Raimundo Oliva
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