São
muitas a notícias que circulam na imprensa sobre fraudes em concurso público. E
de fato, infelizmente, não são raros os desvios e as manipulações de
resultados. São vários os fatores que compõem esse cenário, desde a índole de
alguns gestores públicos e de algumas empresas que atuam nesse mercado até a
cultura que hoje ainda predomina em muitos órgãos públicos quanto à aplicação
do instrumento de seleção de candidatos a um cargo público.
Neste
comentário, eu vou ater-me à variável cultural.
Para
muitos gestores públicos, o concurso é visto como um problema, levando-os, em
muitos casos, até mesmo, a evitá-lo, desviando servidores que titularizam cargo
em comissão, e que deveriam exercer atribuições de chefia, direção ou
assessoramento (CF, art. 37, V), para a área administrativa-operacional, ou
então, preenchendo os espaços funcionais com estagiários. Em qualquer dessas
hipóteses, a burla ao concurso público e à própria Constituição Federal,
especificamente, ao seu art. 37, II, está caracterizada.
As
regras constitucionais do concurso público precisam ser "(re)lidas" a
partir da Emenda Constitucional 19, de 1998.
A
premissa é de que o concurso público e o preenchimento de cargos devem ser
compostos com características voltadas ao atendimento da sociedade, que é
permanente, e não do gestor, que está temporariamente no Poder.
Neste
contexto, o concurso público pode ser um grande aliado da administração
pública. A partir do desenho organizacional do cargo público. O concurso público flexibiliza-se, conforme a natureza e a
complexidade do cargo, para, por metodologia prática, buscar, no mercado, o
profissional mais adequado para o exercício das atribuições definidas, tendo em
conta não somente o conhecimento, mas também as atitudes e as habilidades
consideradas importantes para a prestação de um serviço qualificado ao cidadão
e à sociedade.
A
não (re)leitura, por muitos órgãos governamentais, das regras do concurso
público na Constituição Federal, gera defasagem metodológica nas provas
seletivas, situação que determina dois efeitos, ambos perigosos para a
sociedade: um) se for um pleito honesto, o resultado será aleatório, pois a
natureza e a complexidade do cargo não são consideradas para a definição da
fórmula concursal e, sempre é bom lembrar, quando meta é a eficiência, o acaso
não é um bom aliado; dois) se for um pleito desonesto, a fraude fica
facilitada, permitindo a manipulação de resultados e o desvio dos fins que
marcam o interesse público.
O
foco das provas de concurso público deve ser prático, com experimentação de
médio prazo. Em alguns estados, por exemplo, até 2006, um dos pontos que mais
influenciava nos concursos públicos para a magistratura era "uma"
prova de sentença; hoje, em muitos estados, após uma primeira fase, os
candidatos classificados, conforme condições definidas em edital, passam para
uma fase prática de sentenças por um período razoável de tempo. A fidelização
de resultado é maior, na medida em que o espaço de aferição do exercício das
atribuições do cargo é mais largo, diminuindo a margem de erro. Em alguns
municípios, isso também está acontecendo com cargos relacionados com a
atividade-fim de governo, como professores, médicos, agentes de fiscalização do
trânsito e outros. E é bom que seja assim... O que não pode, e isso ainda
acontece, é, por exemplo, um professor ser aprovado em um concurso público sem
ter sido experimentado em sala de aula; ou, então, um operador de máquina ser
aprovado em concurso público sem ter operado uma máquina.
O
obstáculo para que o concurso público seja efetivo não é jurídico, ao
contrário, a Constituição Federal impõem a sua flexibilização; o obstáculo é
cultural mesmo. Os gestores públicos precisam modernizar os procedimentos que
envolvem os processos de recrutamento e de seleção de pessoas. É preciso
investir na eficiência da metodologia para alcançar a eficácia do resultado,
mesmo que os procedimentos exijam um certo tempo para a sua aplicação. Mas o
tempo aqui é aliado do fim que o concurso deve alcançar.
A
questão, portanto, é: a defasagem metodológica das provas é decorrência da não
renovação gerencial dos processos de trabalho que envolvem o concurso público
ou é deliberadamente mantida para possibilitar ambientes governamentais
confusos visando a acobertar fraudes e manipulações de resultados ?!?!?
Postado
por André Leandro Barbi de Souza
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