Dos 37 réus do processo, oito já foram condenados e dois absolvidos.
Com o próximo voto, Supremo concluirá votação do item gestão fraudulenta.
Mariana Oliveira e Nathalia PassarinhoDo G1, em Brasília
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello votou nesta quinta-feira (6), durante sessão de julgamento do processo do mensalão, pela condenação, por gestão fraudulenta, da acionista e ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello, do ex-vice-presidente José Roberto Salgado e do atual vice, Vinícius Samarane. Mello também decidiu absolver a ex-vice Ayanna Tenório.
Os quatro foram acusados de conceder empréstimos fictícios ao PT e ao grupo de Marcos Valério, apontado como o operador do esquema de compra de votos no Congresso em troca de apoio ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Para Celso de Mello, as provas constantes nos autos do processo do mensalão demonstram que os dirigentes do Banco Rural formaram um “núcleo criminoso”.
“O exame da denúncia formulada pelo Ministério Público e também o exame da defesa fornecida pelos réus convence-me de que se formou na cúpula dirigente do Banco Rural verdadeiro núcleo criminoso, estruturado e organizado mediante divisão funcional de tarefa, com coordenação consciente de vontade, permitindo que os agentes atuassem consertadamente com finalidades específicas, com o intuito de obter vantagens."
Com o voto de Mello, Kátia Rabello e Salgado somam nove votos pela condenação. Já decidiram que os dois são culpados de fraudes no comando do banco os ministros Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes , Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.
Assim como a maioria dos ministros da corte, Celso de Mello decidiu inocentar a ex-vice-presidente Ayanna Tenório por falta de provas. Oito ministros decidiram pela absolvição dela- o único que entendeu que ela devia ser condenada foi o relator Joaquim Barbosa. Em relação ao atual vice-presidente, Vinícius Samarane, sete ministros já votaram pela condenação dele e dois pela absolvição - Marco Aurélio e Lewandowski.
Até a publicação desta reportagem, ainda faltava o voto de um ministro sobre as acusações de gestão fraudulenta: o do presidente do STF, Ayres Britto. Até a proclamação do resultado, no final do julgamento, qualquer um dos ministros ainda pode mudar o voto.
A gestão fraudulenta é prevista na lei de crimes contra o sistema financeiro e pode resultar em prisão de 3 a 12 anos. A dosimetria da pena (cálculo de quanto tempo cada condenado ficará preso) será feita ao final do julgamento.
Embora com decisão parcial sobre a cúpula do banco, 8 dos 37 réus do processo já foram condenados, sendo três da cúpula do Banco Rural e cinco deles na análise do item sobre desvio de recursos públicos (veja como cada ministro votou): o deputado e ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, Marcos Valério e os sócios Ramon Hollerbach e Cristiano Paz.
Além de Ayanna Tenório, foi absolvido o ex-ministro Luiz Gushiken.
As acusações
Segundo a denúncia, o Banco Rural repassou R$ 29 milhões às empresas de Marcos Valério e R$ 3 milhões ao PT por meio de empréstimos fictícios.
Para o MP, Kátia e Salgado autorizaram empréstimos sem analisar as garantias. Ainda conforme a Procuradoria, Ayanna Tenório autorizou a renovação de empréstimos, e Samarane omitiu do sistema do Banco Central os dados sobre os saques de dinheiro feitos pelo grupo de Valério.
Durante a leitura do voto de Celso de Mello, que abordou o papel dos juízes no julgamento, o ministro Joaquim Barbosa afirmou que foi vítima de ataques “velados e covardes” por ser relator do processo do mensalão. “Espero que nunca esqueçamos os ataques de que fui objeto durante esses sete anos. Ataques velados, covardes, mas sempre tendo como pano de fundo este processo”, disse.
Argumentos desta quinta
Para Celso de Mello, Banco Rural realizou empréstimos "simulados" a agências de Marcos Valério e ao PT, e que omitiu as irregularidades mediante "artifícios fraudulentos".
“Os empréstimos eram concedidos e renovados sem observadas das cautelas mínimas do Banco Central para a verificação da capacidade financeira [dos tomadores do crédito]”, disse.
Ao absolver Ayanna Tenório e Vinicius Samarane, Marco Aurélio afirmou que o Supremo não pode “condenar por presunção”. Segundo o ministro, os réus não podem ser punidos apenas por ocuparem na época cargos de direção, sem provas de que tenham cometido irregularidades.
“Reafirmo a fé mais uma vez no direito posto, a fé no julgamento a partir dos elementos coligidos da prova lograda pelo Ministério Público, não cabendo generalizar. Não cabendo partir para uma nova doutrina que seria a admissão do crime por presunção”, disse.
O ministro Marco Aurélio criticou ainda o voto criticando a metodologia de voto por itens da denúncia.
“Eu diria, no jargão carioca, 'haja coração', ante o fatiamento da apreciação das diversas imputações formalizadas pelo Ministério Público. Continuo convencido de que o ideal seria termos mais vogais, uma visão conjunta do processo, uma visão conjunta do que elaborado pelo relator e pelo revisor”, afirmou.
O ministro Gilmar Mendes, que votou antes, destacou que houve "extensivo rol de irregularidades" no Banco Rural. Segundo o magistrado, o empréstimo para o PT foi realizado sem garantias de que o partido pagaria a dívida.
"Não tenho dúvida quanto à caracterização dos elementos que levam à configuração do crime aqui imputado de gestão fraudulenta, com efetiva participação dos réus nos fatos", disse o ministro Gilmar Mendes em sua argumentação.
Outros ministros
Ao votar nesta quarta, o ministro Luiz Fux afirmou que a gestão do Banco Rural era "tenebrosa". "Na verdade, infelizmente, a entidade bancária serviu de uma verdadeira lavanderia de dinheiro, esse deveria ser o nome, nem gestão fraudulenta, nem gestão temerária, deveria ser gestão tenebrosa", disse.
Para Dias Toffoli, que também apresentou sua argumentação na quarta, há provas de que a cúpula do banco não cumpriu as regras do Banco Central. "Houve inequívoca prática de condutas divorciadas das normas e regulamentos que cocernem à atividade bancária",argumentou Toffoli.
Assim como Fux, a ministra Rosa Weber entendeu que só Kátia, Salgado e Samarane, que detinham o poder das decisões da instituição, cometeram o crime. Ainda sobre Samarane, ela viu papel menor do executivo nas fraudes e antecipou que a dosimetria deveria levar em conta a questão.
"Mal comparando, nos crimes de guerra, em geral punem-se os generais estrategistas. No mesmo modo, nos crimes administrativos, a culpa recai sobre seus administradores. Desse modo, no crime com a utilização da empresa, o autor é o dirigente ou os dirigentes que podem impedir que a ação ocorra."
Revisor e relator
O revisor Ricardo Lewandowski disse que "não ficou convencido" da participação de Ayanna e, segundo ele, Samarane era "um mero empregado".
Ao analisar a conduta de Kátia Rabello e José Roberto Salgado na segunda (3), Lewandowski disse que o Banco Rural tentou "ludibriar" o Banco Central. Ele comparou a concessão dos empréstimos a um negócio "de pai para filho".
Relator da ação penal, o ministro Joaquim Barbosa falou na semana passada e afirmou que os empréstimos ao PT e a Marcos Valério não foram contabilizados nos registros oficiais do Banco Rural e que a cobrança foi feita somente depois do escândalo.
O ministro-relator afirmou ainda que o crime de gestão fraudulenta foi praticado em concurso de pessoas, por todos os quatro ex-dirigentes do Banco Rural.
“Com efeito, é preciso lembrar que o crime foi praticado em concurso de pessoas, numa ação orquestrada [...] típica de um grupo criminoso. Pela divisão de tarefas, cabe a cada qual cumprir determinadas funções.”
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