Rangel
Alves da Costa*
Infelizmente,
nossos legisladores e os ilustres juristas responsáveis pela
elaboração de projetos legislativos nunca tiveram a preocupação
de incluir nos textos codificados a espécie de crime que seria
tipificado como puxa-saquismo. A Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº
8.072/90), que trata dos crimes tidos como alarmantes, pavorosos, que
causam indignação moral e repulsa da sociedade, também não cuidou
de criminalizar a figura dessa abominável qualidade de gente que é
o puxa-saco. É uma pena; deveria.
A
tipificação do crime de puxa-saquismo seria simples: “É crime
utilizar-se dos meios de comunicação, do diálogo pessoal com as
demais pessoas ou de qualquer meio de escrita, com o intuito
exclusivo de forjar a criação de uma imagem positiva de outra
pessoa, instituição ou ente governamental. I – a pena será
agravada e triplamente cominada se o beneficiado for algum político,
com ou sem mandato; II – incorrerá na mesma pena aquele que
denegrir a imagem de uma pessoa em benefício de outra. Pena:
Reclusão, de 20 a 30 anos.”
Em
determinados estados, teria que ser construído um cadeião, de
segurança máxima, exclusivamente para comportar os puxa-sacos. E
são tantos os bajuladores que espalham-se por aí que, à primeira
vista, torna-se até difícil apontá-los perante características
específicas. Agem como pessoas comuns, e até parecem comuns;
comportam-se como pessoas normais, e até são normais em muitos
aspectos. Contudo, são indivíduos perigosíssimos, com um desvio
comportamental que há muito desafia a ciência, mas que muitos
chamam de “baba-ovismo”.
Conceitualmente,
o puxa-saco aquele que bajula a outrem, é a pessoa extremamente
subserviente, lacaia; é o indivíduo adulador, “baba-ovo”, que
“mata e morre” por um político com mandato - e até sem cargo
eletivo -, pelo seu superior; é aquela pessoa que vive elogiando o
seu idolatrado sob qualquer circunstância, ainda que esse o humilhe
ou o trate mal; é ainda aquele que, para agradar o outro, só falta
lamber-lhe os sapatos ou outras coisas.
É
bastante característico do puxa-saco ser um indivíduo extremamente
mentiroso. Cria uma imagem tão irreal de quem bajula que de repente
não sabe mais onde termina a verdade e até onde vai a enganação.
Contextualiza uma falsa noção sobre as coisas que o distancia da
compreensão da realidade. Porém, distingue imediatamente e com
perfeição se ouve pelas ruas ou principalmente pelo rádio alguém
falando ou ao menos tencionando falar mal daquele que adula. Nesse
momento, ataca a crise de bajulice e o único remédio para acalmar a
safadeza é bater boca ou pegar o telefone para ligar para a emissora
de rádio.
O rádio,
por sinal, é talvez a única coisa que tem o dom de fazer com que o
puxa-saco tenha espasmos de prazer e de ódio ao mesmo tempo. Sempre
sentado perto do telefone, ele vai passando de emissora a emissora
para ouvir se alguém está falando mal do político ou da
autoridade. Nervoso, com vontade de saciar a fome da bajulação logo
cedinho, o ouvido fica em alerta e na primeira oportunidade estará
ele, como que automaticamente, telefonando para a emissora. Aí é a
glória! E todos terão que ouvir “mas não é bem assim...”, “a
oposição não tem o que fazer e fica...”, “ninguém nunca fez
tanto quanto...”. Alguns chamam esse tipo de bajulador de rato de
rádio, mas certamente seria melhor denominá-lo simplesmente de
safado e mau caráter.
Mesmo que
muitos insistam em não perceber – certamente porque também são
puxa-sacos - alguns dos jornais impressos que diariamente circulam
por aí estão recheados, folha por folha, palavra por palavra, de
“partidarismo jornalístico”, que é uma forma disfarçada do
puxa-saquismo explícito. O que diferencia tais jornais e os
jornalistas que neles trabalham das demais espécies de bajuladores,
é que estes se humilham e vendem a alma ao diabo na expectativa de
ganhar alguma coisa a mais, enquanto que a imprensa geralmente é
paga – e bem paga - para defender com unhas e dentes determinados
políticos ou partidos, e da mesma forma para esculhambar com a
imagem dos outros que estão na oposição. O pior é que tais
jornais trabalham com dupla mentira: mentem escancaradamente para
defender e agradar alguns e inventam deslavadamente para destruir os
outros. Nesse caso, não seria rato de jornalismo, mas sim
prostituto(a) da mídia.
O
“baba-ovismo”, anomalia decorrente do puxa-saquismo, não é
contagioso, mesmo que os seus portadores façam tudo para contaminar
as demais pessoas. Os portadores dessa deficiência crônica
geralmente são encontrados nos escritórios de políticos, nas
ante-salas dos gabinetes de autoridades, políticos e vereadores; são
sempre vistos sentados nas assembléias e câmaras, nas prefeituras e
nas casas dos chefes políticos; contudo, o que mais gostam de fazer,
e até imploram pra fazer isso, é carregar a pasta da autoridade,
abrir a porta pra ela passar e acompanhá-la nas suas andanças.
Gostariam de fazer muita mais coisas, e só não fazem porque algumas
dessas autoridades ainda se sentem envergonhadas.
Como
observado, o puxa-saquismo pode ser infinitamente caracterizado,
possui inúmeras subespécies e está enraizado por todos os lugares
e setores. Contudo, o que realmente mais impressiona é a
característica mutável, ou seja, que pode mudar de posição de
adulação num segundo, que sempre está presente na maioria dos
puxa-sacos. Exemplos disso estão aí pra todo mundo ver, basta que o
resultado de uma eleição aponte os vencedores para que ocorra uma
debandada de puxa-sacos saindo de um lado e indo para o outro,
passando a elogiar apaixonadamente aquele que ontem não valia nada.
Isto é mais comum do que se imagina e tem a duração máxima de
quatro anos ou de uma reeleição.
Farei,
contudo, uma defesa de um tipo especial de puxa-saco, que é aquele
que é pago exclusivamente para ficar telefonando para as emissoras
durante os programas jornalísticos. Sem citar nomes, direi que
trabalham exercendo o ofício que lhes foi permitido pela natureza –
Deus sabe o que faz -, tanto é que ganham por tarefa, mas também
direi que os seus trabalhos são tão honestos quanto fabricar moeda
falsa. É tudo falso.
Advogado
e poeta
e-mail:
rangel_adv1@hotmail.com
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