Eu vos Explico a
Teologia da Libertação
Por: Cardeal Joseph
Ratzinger
Para esclarecer a minha
tarefa e a alinha intenção, com relação ao tema, parecem´me necessárias algumas
observações preliminares:
1) A teologia da
libertação é fenômeno extraordinariamente Complexo. É possível formar´se um
conceito da teologia da libertação segundo o qual ela vai das posições mais
radicalmente marxistas até aquelas que propõem o lugar apropriado da necessária
responsabilidade do cristão para com os pobres e os oprimidos no contexto de
uma carreta teologia eclesial, como fizeram os documentos do CELAM, de Medellin
a Puebla.
1) O presente número já
estava impresso quando foi publicado o documento da Santa Sé sabre a Teologia
da Libertação.
Será objeto de estudos
no próximo número.
Neste nosso texto,
usaremos o conceito “teologia da libertação” em sentido mais restrito: sentido
que compreende apenas aqueles teólogos que, de algum modo, fizeram própria a
opção fundamental marxista. Mesmo aqui existem, nos particulares, muitas
diferenças que é impossível aprofundar nesta reflexão geral. Neste contexto
posso apenas tentar pôr em evidência algumas linhas fundamentais que, sem
desconhecer as diversas matrizes, são muito difundidas e exercem certa
influência mesmo onde não existe teologia da libertação em sentido estrito.
2) Com a análise do
fenômeno da teologia da libertação torna-se manifesto um perigo fundamental
paro a fé da Igreja. Sem dúvida, é preciso ter presente que um erro não pode
existir se não contém um núcleo de verdade. De fato, um erro é tanto mais
perigoso quanto maior for a proporção do núcleo de verdade assumida. Além
disso, o erro não se poderia apropriar daquela parte de verdade, se essa
verdade fosse suficientemente vivida e testemunhada ali onde é o seu lugar,
isto é, na fé da Igreja. Por isso, ao lado da demonstração do erro e do perigo
da teologia da libertação, é preciso sempre acrescentar a pergunta: que verdade
se esconde no erro e como recupera´la plenamente?
3) A teologia da
libertação é um fenômeno universal sob três pontos de vista:
a) Essa teologia não
pretende constituir´se como um novo tratado teológico ao lado dos outros já
existentes; não pretende, por exemplo, elaborar novos aspectos da ética social
da Igreja. Ela se concebe, antes, como uma nova hermenêutica da fé cristã, quer
dizer, como nova forma de compreensão e de realização do cristianismo na sua
totalidade. Por isto mesmo muda todas as formas da vida eclesial: a
constituição eclesiástica, a liturgia, a catequese, as opções morais;
b) A teologia da
libertação tem certamente o seu centro de gravidade na América Latina, mas não
é, de modo algum, fenômeno exclusivamente latino´americano. Não se pode
pensá-la sem a influência determinante de teólogos europeus e também norte-
americanos. Além do mais, existe também na Índia, no Sri Lanka, nas Filipinas,
em Taiwan, na África embora nesta última esteja em primeiro plano a busca de
uma “teologia africana”. A união dos teólogos do Terceiro Mundo é fortemente
caracterizada pela atenção prestada aos temas da teologia da libertação;
c) A teologia da
libertação supera os limites confessionais. Um dos mais conhecidos
representantes da teologia da libertação, Hugo Assman, era sacerdote católico e
ensina hoje como professor em uma Faculdade protestante, mas continua a se
apresentar com o pretensão de estar acima das fronteiras confessionais. A
teologia da libertação procura criar, já desde as suas premissas, uma nova
universalidade em virtude da qual as separações clássicas da Igreja devem
perder a sua Importância,
I. O Conceito de
Teologia da Libertação e os Pressupostos de sua Gênese
Essas observações
preliminares, entretanto, já nos introduziram no núcleo do tema. Deixam aberta,
porém, a questão principal: o que é propriamente o teologia da libertação? Em
uma primeira tentativa de resposta, podemos dizer: a teologia da libertação
pretende dar nova interpretação global do Cristianismo; explica o Cristianismo
como uma práxis de libertação e pretende constituir-se, ela mesma, um guia para
tal práxis. Mas assim como, segundo essa teologia, toda realidade é política,
também a libertação é um conceito político e o guia rumo à libertação deve ser
um guia para a ação política.
“Nada resta fora do
empenho político. Tudo existe com uma colocação política” (Gutierrez). Uma
teologia que não seja “prática (o que significa dizer “essencialmente
política”) é considerada “idealista” e condenada como irreal ou como veículo de
conservação dos opressores no poder, Para um teólogo que tenha aprendido a sua
teologia na tradição clássica e que tenha aceitado a sua vocação espiritual, é
difícil imaginar que seriamente se possa esvaziar a realidade global do
Cristianismo em um esquema de práxis sócio-político de libertação. A coisa é,
entretanto, mais difícil, já que os teólogos da libertação continuam a usar
grande parte da linguagem ascética e dogmática da Igreja em clave nova, de tal
modo que aqueles que lêem e que escutam partindo de outra visão, podem ter a
impressão de reencontrar o patrimônio antigo com o acréscimo apenas de algumas
afirmações um pouco estranhas mas que, unidos a tanta religiosidade, não
poderiam ser tão perigosas. Exatamente a radicalidade da teologia da libertação
faz com que a sua gravidade não seja avaliada de modo suficiente; não entra em
nenhum esquema de heresia até hoje existente, A sua colocação, já de partida,
situa-se fora daquilo que pode ser colhido pelos tradicionais sistemas de
discussão. Por isto tentarei abordar a orientação fundamental da teologia da
libertação em duas etapas: primeiramente é necessário dizer algo acerca dos
pressupostos que a tornaram possível; a seguir, desejo aprofundar alguns dos
conceitos base que permitem conhecer algo da estrutura da teologia da
libertação. Como se chegou a esta orientação completamente nova do pensamento
teológico, que se exprime na leolog1a da libertação? Vejo principalmente três:
fatores que a tornaram possível.
1) Após o Concílio,
produziu-se uma situação teológica nova:
a) Surgiu a opinião de
que a tradição teológica existente até então não era mais aceitável e, por
conseguinte, se deviam procurar, o partir da Escritura e dos sinais dos tempos,
orientações teológicas e espirituais totalmente novas;
b) A idéia de abertura
ao mundo e de compromisso no mundo transformou-se freqüentemente em uma fé
ingênua nas ciências; uma fé que acolheu as ciências humanas como um novo
evangelho, sem querer ,reconhecer os seus limites e problemas próprios. A
psicologia, a sociologia e a interpretação marxista da história foram
considerados como cientificamente seguras e, a seguir, como instâncias não mais
contestáveis do pensamento cristão;
c) A critica da
tradição por parte da exegese evangélica moderna, especialmente o de Bultmann e
da sua escola, tornou-se uma, instância teológica inamovível que barrou a
estrada às formas até então válidas da teologia, encorajando assim também novas
construções.
2) A situação teológica
assim transformada coincidiu com uma situação da historia espiritual também ela
modificada. Ao final da fase de reconstrução após a segunda guerra mundial,
fase que coincidiu pouco mais ou menos com o término do Concilio, produziu-se
no mundo ocidental um sensível vazio de significado, ao qual a filosofia existencialista
ainda em voga não estava em condições de dar alguma resposta. Nesta situação,
as diferentes formas do neo-marxismo transformaram-se em um impulso moral e, ao
mesmo tempo, em uma promessa de significado que parecia quase irresistível à
juventude universal. O marxismo, com as acentuações religiosas de Bloch e as
filosofias dotadas de rigor científico de Adorno, Harkheimer, Habernas e
Marcuse, ofereceram modelos de ação com os quais alguns pensadores acreditavam
poder responder ao desafio da miséria no mundo e, ao mesmo tempo, poder
atualizar o sentido correto da mensagem bíblica.
3) O desafio moral da
pobreza e da opressão não se podia mais ignorar, no momento em que a Europa e a
América do Norte atingiam uma opulência até então desconhecida. Este desafio
exigia evidentemente nova respostas, que não se podiam encontrar na tradição
existente até aquele momento. A situação teológica e filosófica mudada
convidava expressamente a buscar o resposta em um cristianismo que se deixasse
regular pelos modelos da esperança, aparentemente fundados cientificamente, das
filosofias marxistas.
II. A Estrutura
Gnoseológica Fundamental da Teologia da Libertação
Esta resposta se
apresenta totalmente diversa nas formas particulares de teologia da libertação,
teologia da evolução, teologia política, etc. Não pode, pois, ser apresentada
globalmente, Existem, no entanto, alguns conceitos fundamentais que se repetem
continuamente nas diferentes variações e exprimem comuns intenções de fundo.
Antes de passar aos conceitos fundamentais do conteúdo, é necessário fazer uma
observação a cerca dos elementos estruturais do teologia da libertação. Paro
tal, podemos retomar o que já afirmamos acerca da situação teológica mudada
após o Concilio. Como já disse, leu-se a exegese de Bultmann e da sua escola
como um enunciado da “ciência sobre Jesus”, ciência que devia obviamente ser
considerado como válida. O “Jesus histórico” de Bultmann, entretanto,
apresentava-se separado por um abismo (o próprio Bultmann fala de Graben,
fosso) do Cristo da fé. Segundo Bultmann, Jesus pertence aos pressupostos do
Novo Testamento, permanecendo. porém, encerrado no mundo do judaísmo. O
resultado final dessa exegese consistiu em abalar a credibilidade histórica dos
Evangelhos: o Cristo da tradição eclesial e o Jesus histórico apresentado pela
ciência pertencem evidentemente a dois mundos diferentes. A figura de Jesus foi
erradicada da sua colocação na tradição por ação da ciência, considerada como
instância suprema; deste modo, por um lado, a tradição pairava como algo de
irreal no vazio, e, por outro, devia-se procurar para a figura de Jesus uma
nova interpretação e um novo significado. Bultmann, portanto, adquiriu
importância não tanto pelas suas afirmações positivas quanto pelo resultado
negativo da sua crítica: o núcleo da fé, a cristologia, permaneceu aberto a
novas interpretações porque os seus enunciados originais tinham desaparecido,
na medida em que eram considerados historicamente insustentáveis. Ao mesmo
tempo desautorizava-se o magistério da Igreja, na medida em que o consideravam
preso a uma teoria cientificamente insustentável e, portanto, sem valor como
instância cognoscitiva sobre Jesus. Os seus anunciados podiam ser considerados
somente como definições frustadas de uma posição cientificamente superada.
Além disso, Bultmann
foi importante para o desenvolvimento posterior de uma segunda palavra- chave.
Ele trouxe à moda o antigo conceito de hermenêutica, conferindo-lhe uma
dinâmica nova. Na palavra “hermenêutica” encontra expressão a idéia de que uma
compreensão real dos textos históricos não acontece através de uma mera
interpretação histórica; mas toda interpretação histórica inclui certas
decisões preliminares. A hermenêutica tem a função de “atualizar”, em conexão
com a determinação de dado histórico. Nela, segundo o terminologia clássica, se
trata de um “fusão dos horizontes” entre “então” [“naquele tempo”] e o “hoje”.
Por conseguinte, ela suscita a pergunta: o que significa o então (“naquele
tempo”), nos dias de hoje? O próprio Bultmann respondeu a esta pergunta
servindo-se da filosofia de Heidegger e interpretou, deste modo, a Bíblia em
sentido existencialista. Tal resposta, hoje, não apresenta mais algum
interesse; neste sentido Bultmann foi superado pela exegese atual. Mas
permaneceu a separação entre a figura de Jesus da tradição clássica e a idéia
de que se pode e se deve transferir essa figura ao presente, através de uma
nova hermenêutica.
A este ponto, surge o
segundo elemento, já mencionado, da nossa situação: o novo clima filosófico dos
anos sessenta. A análise marxista do história e da sociedade foi considerada,
nesse ínterim, conto a única dotada de caráter “cientifico”, isto significa que
o mundo é interpretado à luz do esquema da luta de classes e que a única
escolha possível é entre capitalismo e marxismo. Significa, além disso, que
toda a realidade é política e que deve ser justificada politicamente. O
conceito bíblico do “pobre” oferece o ponto de partida para a confusão entre a
imagem bíblica da história e a dialética marxista; esse conceito é interpretado
com a idéia de proletariado em sentido marxista e justifica também o marxismo
como hermenêutica legitima para a compreensão da Bíblia. Ora, Segundo essa
compreensão, existem, e só podem existir, duas opções; pai isso, contradizer
essa interpretação da Bíblia não é senão expressão do esforço da classe
dominante para conservar o próprio poder, Gutierrez afirma: “A luta de classes
é um dado de fato e a neutralidade acerca desse ponto é absolutamente
impossível”. A partir dai, torna-se impossível até a intervenção do magistério
eclesiástico: no caso em que este se opusesse a tal interpretação do
Cristianismo demonstraria apenas estar ao lado dos ricos e dos dominadores e
contra os pobres e os sofredores, isto é, contra o próprio Jesus, e, na
dialético da história, aliar-se-ia à parte negativo.
Essa decisão,
aparentemente “científica” e “hermeneuticamente” indiscutível, determina por si
o rumo da ulterior interpretação do Cristianismo, seja quatro às instancias
interpretativas, seja quatro aos conteúdos interpretados. No que diz respeito
as instâncias interpretativas, os conceitos decisivos são: povo, comunidade,
experiência, história. Se até então a Igreja, isto é, a Igreja Católica na Sua
totalidade, que, transcendendo tempo e espaço, abrange os leigos (sensus fidei)
e a hierarquia (magistério), fora a instância hermenêutica fundamental, hoje
tornou-se a “comunidade” tal instância. A vivência e as experiências da
comunidade determinam agora a compreensão e a interpretação da Escritura. De
novo pode-se dizer, aparentemente de maneira muito científica, que a figura de
Jesus, apresentada nos Evangelhos, constitui uma síntese de acontecimentos e
interpretações da experiência de comunidades particulares, onde no entanto a
interpretação é muito mais importante do que o acontecimento, que, em si, não é
mais determinável. Essa síntese original de acontecimento e interpretação pode
ser dissolvida e reconstruída sempre de novo: a comunidade “interpreta” com a
sua “experiência” os acontecimentos e encontra assim sua “práxis”. Esta idéia,
podemos encontra-la em modo um tanto diverso do conceito de povo, com o qual se
transformou a acentuação conciliar da idéia de “povo de Deus” em mito marxista.
As experiências do “povo” explicam a Escritura. “Povo” torna-se assim um
conceito aposto ao de “hierarquia” e em antítese a todas as instituições
indicadas como forças da opressão.
Afinal, é “povo” quem
participa da “luta de classes”; a ”igreja popular” acontece em oposição à
Igreja hierárquica. Por fim, o conceito de “história” torna-se instância
hermenêutica decisiva. A opinião, considerada cientificamente segura e
irrefutável, de que a Bíblia raciocine em termos exclusivamente de história da
salvação, e portanto de maneira antí-metafísica. permite a fusão do horizonte
bíblico com a idéia marxista da história que procede dialeticamente como
autêntica portadora de salvação; a história é o autêntica revelação e portanto
a verdadeira instância hermenêutica da interpretação bíblica. Tal dialético é
apoiado, algumas vezes, pela pneumatologia. Em todo caso, também esta última,
no magistério que insiste em verdades permanentes, vê uma instância inimiga do
progresso, dado que pensa “metafisicamente” e assim contradiz a “história”.
Pode-se dizer que o conceito de história absorve o conceito de Deus e de
revelação. A “historicidade” da Bíblia deve justificar o seu papel
absolutamente predominante e, portanto, deve legitimar, ao mesmo tempo, a
passagem para a filosofia materialista-marxista, na qual a história assumiu a
função de Deus.
III. Conceitos
Fundamentais da Teologia da Libertação
Com isto, chegamos aos
conceitos fundamentais do conteúdo da nova interpretação do Cristianismo. Uma
vez que os contextos nos quais aparecem os diversos conceitos são diferentes,
gostaria de citar alguns deles, sem a pretensão de esquematiza-los. Comecemos
pela nova interpretação da fé, da esperança e da caridade. Com relação a fé,
por exemplo, J. Sobrinho afirma: a experiência que Jesus tem de Deus é
radicalmente histórica. “A sua fé converte-se em fidelidade”. Por isso Sobrinho
substitui fundamentalmente o fé pela “fidelidade à história” (fidelidad a la
historia, 143´144). Jesus é fiel à profunda convicção de que o mistério da vida
do homem ... é realmente o último ... (144). Aqui produz-se aquela fusão entre
Deus e história que dá a Sobrinho a possibilidade de conservar para Jesus a
fórmula de Calcedônia, ainda que com um sentido completamente mudado; pode-se
ver como os critérios clássicos da ortodoxia não são aplicáveis à análise dessa
teologia, Ignacio Ellacuria, na capa do livro sobre este assunto, afirma:
Sobrinho “diz de novo ... que Jesus é Deus, acrescentando, porém,
imediatamente, que o Deus verdadeiro é somente aquele que se revela
historicamente em Jesus e nos pobres, que continuam a sua presença. Somente
quem mantém unidas essas duas afirmações, é ortodoxo ...´.
A esperança é
interpretada como “confiança no futuro” e como trabalho pelo futuro; com isso
elo é subordinado novamente ao predomínio da história das classes.
“Amor” consiste na
“opção pelos pobres”, isto é, coincide com a opção pela luta de classes. Os
teólogos da libertação sublinham com força, diante do “falso universalismo”, a
parcialidade e o caráter partidário da opção cristã; tomar partido é, segundo
eles, requisito fundamental de uma correta hermenêutica dos testemunhos
bíblicos. Na minha opinião, aqui se pode reconhecer muito claramente a mistura
entre uma verdade fundamental do Cristianismo e uma opção fundamental não
cristã, que torna o conjunto tão sedutor: o sermão da montanha é, na verdade, a
escolha por parte de Deus a favor dos pobres. Mas a interpretação dos pobres no
sentido da dialética marxista da histórla e a interpretação da escolha
partidária no sentido da lula de classes é um salto “eis allo genos” (grego:
para outro gênero), no qual as coisas contrarias se apresentam como idênticas.
O conceito fundamental
da pregação de Jesus é o de “reino de Deus”. Este conceito encontra-se também
no centro das teologia da libertação, lido porém no contexto da hermenêutica
marxista. Segundo J. Sobrinho, o reino não deve ser compreendido
espiritualmente, nem universalmente, no sentido de uma reserva escatogicamente
abstrata. Deve ser compreendido em forma partidária e voltado para a práxis.
Somente a partir da práxis de Jesus, e não teoricamente, é possível definir o
que seria o reino: trabalhar na realidade histórica que nos circunda para
transformá-la no reino (166). Aqui ocorre mencionar também uma idéia
fundamental de certa teologia pós-conciliar que impulsionou nessa direção.
Muitos apregoaram que, segundo o Concílio, se deveriam superar todas as formas
de dualismo: o dualismo de corpo e alma, de natural e sobrenatural, de
imanência e transcendência, de presente e futuro. Após o desmantelamento desses
duolismos, resta apenas a possibilidade de trabalhar por um reino que se
realize nesta história e em sua realidade político-econômica.
Mas justamente dessa
forma deixou-se de trabalhar pelo homem de hoje e se começou a destruir o
presente, a favor de um futuro hipotético: assim produziu-se imediatamente o
verdadeiro dualismo. Neste contexto gostaria de mencionar também a
interpretação, impressionante e definitivamente espantosa, que Sobrinho dá da
morte e da ressurreição. Antes do mais, ele estabelece, contra as concepções
universalistas, que a ressurreição é, em primeiro lugar, uma esperança para
aqueles que são crucificados; estes constituem a maioria dos homens: todos
aqueles milhões aos quais a injustiça estrutural se impõe como uma lenta
crucifixão (176 e seguintes). O crente, no entanto, participa também do
senhorio de Jesus sobre a história, através da edificação do reino, isto é, na
luta pela justiça e pela libertação integral, na transformação das estruturas
injustas em estruturas mais humanas. Esse senhorio sobre o história é
exercitado ao se repetir o gesto dê Deus que ressuscita Jesus, isto é, dando
novamente vida aos crucificados da história (181). O homem assumiu o gesto de
Deus e aqui a transformação total da mensagem bíblica se manifesta de maneiro
quase trágica, se se pensa em como essa tentativa de imitação de Deus se
desenvolveu e se desenvolve ainda.
Gostaria de citar
apenas alguns outros conceitos: o êxodo se transforma em uma imagem central da
história da salvação; o mistério pascal é entendido como um símbolo
revolucionário e, portanto, a Eucaristia é interpretada como uma festa de
libertação no sentido de uma esperança político-messiânica e da sua práxis. A
palavra redenção é substituída geralmente por libertação, a qual, por sua vez, é
compreendida, no contexto da história e da luta de Classes, como processo de
libertação que avança, por fim, é fundamental também a acentuação da práxis: a
verdade não deve ser compreendido em sentido metafísico; trata-se de
“idealismo”. A verdade realiza-se na história e na práxis, A ação é a verdade.
Por conseguinte, também as idéias que se usam para ação, em última instância
são intercambiáveis. A única coisa decisiva é a práxis. A práxis torna-se,
assim, o única .e verdadeira ortodoxia. Desta forma justifica-se um enorme
afastamento dos textos bíblicos: a crítica histórica liberta da interpretação
tradicional, que aparece como não científica. Com relação ó tradição,
atribui-se importância ao máximo rigor cientifico na linha de Buftmann. Mas os
conteúdos da Bíblia, determinados historicamente, não podem, por sua vez, ser
vinculantes de modo absoluto. O instrumento para a interpretação não é, em
última análise, a pesquisa histórica, mas, sim, a hermenêutica da história,
experimentada na comunidade, isto é, nos grupos políticos, sobretudo dado que a
maior parte dos próprios conteúdos bíblicos deve ser considerada como produto
de tal hermenêutica comunitária.
Quando se tenta fazer
um julgamento geral, deve-se dizer que, quando alguém procura compreender as opções
fundamentais da teologia da libertação não pode negar que o conjunto contém uma
lógica quase incontestável. Comi as premissas da critica bíblica e da
hermenêutica fundada na experiência, de um lado, e da análise marxista da
história, de outro, conseguiu-se criar uma visão de conjunto do cristianismo
que parece responder plenamente tanto às exigências da ciência, quanto aos
desafios morais dos nossos tempos. E, portanto, impõe-se aos homens de modo
imediato o tarefa de fazer do Cristianismo um instrumento da transformação
concreta do mundo, o que pareceria uni-lo a todas as forças progressistas da
nossa época. Pode-se, pois, compreender como esta nova interpretação do
Cristianismo atraia sempre mais teólogos, sacerdotes e religiosos,
especialmente no contexto dos problemas do terceiro mundo. Subtrair-se a ela
deve necessariamente aparecer aos olhos deles como uma evasão da realidade,
como uma renúncia à razão e à moral. Porém, de outra parte, quando se pensa o
quanto seja radical a interpretação do Cristianismo que dela deriva, torna-se
ainda mais urgente o problema do que se possa e se deva fazer frente a ela.
* * * À guisa de
comentário, parece oportuno salientar os seguintes pontos:
1) A Teologia da
Libertação não é um novo tratado teológico ao lado de outros já existentes, mas
é uma nova interpretação do Cristianismo, que revira radicalmente as verdades
da fé, a constituição da Igreja, a Liturgia, a catequética e as opções morais.
2) Todos os valores e
toda a realidade são considerados do ponto de vista político. Uma teologia que
não seja essencialmente política, é encarada como fator de conservação dos
apressares no poder.
3) A dificuldade de se
perceber esse caráter subversiva da Teologia da Libertação está, em grande
parte, no fato de que os seus arautos continuam a usar a linguagem ascética e
dogmática da Igreja, embora em chave nova. Isto dá aos observadores a impressão
de que estão diante do patrimônio da fé acrescido de algumas afirmações
religiosas que não podem ser perigosas.
4) A gravidade da
Teologia da Libertação não é suficientemente avaliada; não entra em nenhum
esquema de heresia até hoje existente.
5) O cristão não pode
ser, de forma alguma, insensível à miséria dos povos do Terceiro Mundo.
Todavia, para acudir cristãmente a tal situação, não lhe é necessário adotar um
sistema de pensamento que é anticristão como a Teologia da Libertação; existe a
doutrina social da Igreja, desenvolvida pelos Papas desde Leão XIII até João
Paulo II de maneira cada vez mais incisiva e penetrante. Se fosse posta em
prática, eliminaria graves males de que sofrem os homens, sem disseminar o ódio
e a luta de classes.
Fonte de pesquisa:
Site: www.cleofas.com.br
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