Bento XVI repetiu a necessidade de ser firme na fé contra os ventos da secularização (Max Rossi/Reuters)
Bento XVI apelou este domingo a que os católicos alemães permaneçam fiéis à Igreja e ao Papa, criticando ao mesmo tempo as divisões no interior da comunidade católica e apelando a mais convicção e a um maior despojamento nas estruturas da Igreja.
No seu regresso a Roma, depois de concluir a terceira viagem à Alemanha desde que foi eleito Papa, Bento XVI deixou no entanto, atrás de si, algum sabor a decepção em relação a expectativas ecuménicas. Mas o próprio tratou de desfazer essas ilusões, quando afirmou que os líderes católicos e protestantes não fazem nem anunciam acordos como os políticos.
Na missa, celebrada em Friburgo perante umas 100 mil pessoas, o Papa pediu aos católicos que ultrapassem as suas querelas internas “nestes tempos de perigo e mudança radical” e de “crise de fé”.
“A Igreja na Alemanha ultrapassará os seus grandes desafios do presente (...) se os padres, as pessoas consagradas e os leigos crentes em Cristo colaborarem na unidade”, afirmou o Papa Ratzinger, citado pela Reuters.
Perante a multidão, que incluía também pessoas idas da Suíça e da França, a poucos quilómetros dali, Bento XVI acrescentou que a Igreja “continuará a ser uma bênção para a comunidade católica mundial se ela permanecer unida aos sucessores de São Pedro e dos apóstolos” – uma forma de dizer o Papa e os bispos.
Estes apelos à unidade são compreensíveis tendo em conta o ambiente da Igreja Católica na Alemanha. Muitos crentes são críticos de várias posições do Vaticano. Há uma década, os bispos alemães foram forçados a fechar os centros de atendimento católicos a grávidas, por neles se prever a possibilidade de aborto em instituições estatais.
Há mais de duas décadas, quando João Paulo II tinha acabado de ser eleito, dezenas de teólogos assinaram a Declaração de Colónia, a pedir mais liberdade de investigação na Igreja. E já este ano, outros 150 teólogos de língua alemã (Alemanha, Áustria e Suíça) repetiram esses pedidos e reclamaram a necessidade de mudanças na doutrina moral católica.
Também vários grupos que contestam diversas posições tradicionais no campo da moral sexual e familiar nasceram nos países de língua alemã. É o caso do movimento internacional Nós Somos Igreja e da rede ecuménica A Igreja da Base, muito difundida na Alemanha.
Em vários dos seus discursos nesta terceira viagem ao país onde nasceu há 84 anos, Bento XVI repetiu a necessidade de ser firme na fé contra os ventos da secularização. E, perante uma realidade em que um terço da população é protestante e outro terço católico, o Papa receia uma “protestantização” do catolicismo, em que cada pessoa decida aquilo em que quer acreditar. Apesar de um dos pontos mais importantes do programa ter saído o encontro com responsáveis da Igreja Luterana Alemã, no convento dos padres agostinhos, onde viveu Martinho Lutero, iniciador da Reforma protestante.
Nesse elogio, o Papa pediu aos luteranos que sejam mais seguidores de Lutero, reencontrando a sua “luta interior” e espiritual na busca de Deus, que o reformado protagonizou.
Hoje mesmo, Ratzinger repetiu os apelos a uma Igreja convicta da sua missão. “Os agnósticos que, sobre a questão de Deus, não encontram a paz, as pessoas que sofrem por causa dos nossos pecados e têm o desejo de um coração puro, estão mais próximas do reino de Deus que os fiéis rotineiros.”
Já na quinta-feira, pouco depois da sua chegada a Berlim, perante os deputados federais do Bundestag, o Papa referiu a “crise de fé” que atravessa as sociedades ocidentais e fez um elogio da liberdade. Para defender também que os políticos católicos se devem opor a leis que violem a dignidade humana segundo a perspectiva católica.
Uma outra crítica foi para o poder da Igreja, que o Papa considera demasiado instalada e com pouca espiritualidade. Bento XVI referiu que a supressão de privilégios faz bem à Igreja Católica e permite uma profunda “libertação”. A História veio mesmo “em ajuda da Igreja”, afirmou, “através de diversos períodos de secularização que contribuíram para a sua purificação e reforma interior”.
Implícitos nesta afirmação, feita perante católicos que trabalham em estruturas sociais, estavam acontecimentos como a Revolução Francesa e a unificação italiana ou regimes como os comunistas, que tiraram muitos bens e territórios à Igreja Católica. Na missa ao ar livre, celebrada no aeródromo de Friburgo, sob um céu ensolarado na descrição da AFP, Ratzinger parecia fatigado, relata a agência, que refere que a mesma situação se repetiu em outras ocasiões. Mas o porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, disse que o Papa estava bem e mostrou-se mesmo surpreendido com a resistência de Bento XVI à fadiga própria do rimo intenso da viagem.
Ao evocar os “escândalos dolorosos” de que foram responsáveis os “anunciadores da fé” – numa referência aos casos de pedofilia protagonizados por membros do clero – o Papa evocou outro tema importante desta viagem: abalada por casos de abusos sexuais sobre crianças e jovens, a Igreja alemã tem tentado reagir com a tomada de medidas e a criação de organismos independentes que investiguem a situação.
Na sexta-feira, Bento XVI encontrou-se com cinco vítimas de abusos, tal como já fizera em outras viagens. Mas várias associações criticaram o gesto, considerando-o insuficiente e inconsequente. No ano passado, 181 mil pessoas deixaram de pagar o imposto religioso, e muitos fizeram-no por causa do escândalo de pedofilia.
http://www.publico.pt/Mundo/papa-pede-igreja-alema-unida-mas-deixa-sabor-a-frustracao--1513648?all=1
Nenhum comentário:
Postar um comentário