A ressurreição dos mortos - I
Já dissemos, quando falamos sobre a Parusia do Senhor Jesus, que sua Manifestação gloriosa será causa da ressurreição dos mortos: Cristo glorioso glorificará toda a humanidade, vivos e mortos! “Esperamos o Salvador Jesus Cristo, que transformará nosso mísero corpo, tornando-o semelhante ao seu corpo glorioso, em virtude do poder que tem de sujeitar a si toda criatura” (Fl 3,20s).
No presente tópico vamos estudar a ressurreição no Antigo Testamento; no próximo, refletiremos sobre o Novo Testamento.
Na Sagrada Escritura a vida e a morte são primeiramente noções teológicas, não biológicas ou mesmo antropológicas: viver é estar em comunhão com Deus, que é a Vida; morrer é apartar-se dele. Como uma pessoa que se feche para o sol, cai na treva, assim quem se aparta do Deus da Vida, cai na morte... morte aqui é tudo que torna o homem infeliz: a dor, a solidão, a falta de solidariedade, a doença, o medo, a fome, a injustiça... e, finalmente, a morte física. Daí a palavra da Escritura: “Eis que hoje ponho diante de ti a vida e a felicidade, a morte e a desgraça” (Dt 30,15).
No início do Antigo Testamento não havia a esperança na ressurreição: aqueles que morriam, assim se pensava, iriam simplesmente para o sheol, a morada dos mortos, para um sono eterno: lá, bons e maus teriam a mesma vida! A recompensa pelo bem ou mal que se fizesse era dada nesta vida mesma: riqueza, vida longa e muitos filhos para os bons e, para os maus, morte trágica, pobreza e esterelidade! Era assim que se pensava nos inícios do Antigo Testamento... e é assim que pensam algumas seitas pentecostais! Pensem-se, por exemplo, naquelas que prometem mundos e fundos a quem paga o dízimo o dá dinheiro para correntes de oração! Leia, por exemplo, Is 38, 9-11.18-19. Para quem morresse só restaria osheol!
No entanto, devagarinho, a confiança no amor de Deus faz o israelita fiel ter a certeza de que nem mesmo a morte o separará do amor do seu Senhor: “Tenho sempre o Senhor na minha presença; com ele à minha direita, não vacilarei. Por isso se alegra meu coração e exulta minha alma; até minha carne descansa, serena, porque não abandonarás minha alma ao abismo nem deixarás teu fiel ver o fosso. Tu me ensinarás o caminho da vida; em tua presença há plenitude de alegria, à tua direita delícias eternas” (Sl 16,8-11). Note-se que vai surgindo a certeza que o Deus da Vida não deixará na morte os seus amigos. Não se diz como será esta vida após a morte, mas somente que esta pessoa estará com Deus e, assim, será plenamente feliz! Basta! Estar como o Senhor é a felicidade plena, a vida sem fim! Toda a atenção é colocada na relação com o Senhor. Para a Bíblia, o importante não é como será a ressurreição, mas o que será a ressurreição: a amizade plena com o Senhor, a felicidade sem fim, a plenitude da Vida! ”Eu sei que meu Redentor está vivo e que, no fim, se levantará sobre o pó, e, através de minha pele retalhada, na minha carne, verei a Deus. Eu verei aquele que está a meu favor, e meus olhos contemplarão quem não é um adversário” (Jó 19,25ss). Deus, que por amor, ressuscitou o povo de Israel da sua miséria no Exílio de Babilônia, também ressuscitará seus amigos: “Teus mortos reviverão, os cadáveres ressurgirão! Despertai e alegrai-vos, vós que habitais o pó! Porque o teu orvalho é um orvalho de luz e a terra das sombras dará à luz” (Is 26,19). Finalmente, a profecia de Daniel fala claramente que no Dia do Senhor (lembre-se do que dissemos sobre o Dia do Senhor) os mortos ressuscitarão, uns para a Vida com Deus e, outros, para a morte eterna: “Nesse tempo se apresentará o grande príncipe Miguel assistente de teu povo, e haverá um tempo de tribulação, como não houve até agora, desde que há povo. Mas nesse tempo, teu povo será salvo, todos os que se acharem registrados no Livro. Muitos dos que dormem na terra poeirenta, despertarão; uns para a vida eterna, outros para vergonha, para abominação eterna. Então os sábios brilharão como o firmamento resplandecente, e os que tiverem conduzido a muitos para a justiça brilharão como estrelas para sempre” (Dn 12,1-3). “Quanto a ti, vai até o fim e repousa; tu te levantarás para receber o teu quinhão no fim dos dias!” (Dn 12,13). “Repousar”, aqui, refere-se à morte e “levantar-se” refere-se à ressurreição. Um texto belíssimo do Antigo Testamento sobre a ressurreição é 2Mc 7, a história da mãe dos sete filhos. Vale a pena ler! Há, ainda, um outro testemunho: “Depois, tendo organizado uma coleta entre os soldados, mandou a Jerusalém cerca de duas mil dracmas, para que se oferecesse um sacrifício expiatório. Ação muito justa e nobre, inspirada no pensamento da ressurreição! Pois, se não esperasse que os soldados caídos haviam de ressuscitar, teria sido supérfluo e insensato orar pelos mortos. 45 Considerando ele, porém, que belíssima recompensa está reservada aos que morrem piedosamente, seu pensamento foi santo e piedoso. Eis por que mandou oferecer aquele sacrifício pelos mortos, para que ficassem livres do seu pecado” (2Mc 12,43-45).
Ainda uma coisa importante: para o Antigo Testamento, o homem é um todo, de modo que sua comunhão com Deus ou sua condenação eterna envolverão todo o seu ser: corpo e alma! Nunca se pensa na Bíblia que o homem é um espírito que apenas mora, encarnado, num corpo! Sou eu todo que estarei glorificado com o Senhor ou perdido, longe dele! Veremos isto quando tratarmos do Novo Testamento e da reencarnação...
Resumindo: 1) a idéia da ressurreição vai surgindo aos poucos no Antigo Testamento; 2) o importante não era “como” seria esta ressurreição, mas o fato de que Deus é fiel e não deixaria na morte os seus amigos; 3) a vida após a morte é estar com Deus com todo o nosso ser, corpo e alma, e esta é a alegria eterna, a felicidade sem fim e 4) a ressurreição aconteceria no Último Dia, no Dia do Senhor e seria de salvação para os bons e condenação para os maus.
Nos próximos tópicos veremos a idéia da ressurreição no novo Testamento!
A ressurreição dos mortos - II
No tópico passado, vimos a ressurreição dos mortos no Antigo Testamento. Vamos, agora iniciar o estudo da ressurreição no Novo Testamento!
Primeiramente é importante fazer uma distinção sobre o modo como o Novo Testamento utiliza apalavra ressurreição. Há três modos de usar o termo “ressurreição”:
· em sentido figurado: como volta de um morto a esta vida. É o caso da “ressurreição” de Lázaro, da filhinha de Jairo, do filho da viúva de Naim... etc. Aqui não se trata rigorosamente de ressurreição no sentido cristão da palavra, mas de revitalização: ou seja, alguém estava morto e voltou a esta vidinhanossa... e, depois, morrerá novamente!
· em sentido neutro: como passo prévio ao juízo: o homem não ficará na morte: ele, quer salvo, quer condenado, continuará vivendo após a morte. Todos “ressuscitarão” para serem julgados! Este não é ainda o sentido teologicamente mais profundo, mais forte e verdadeiro de ressurreição;
· em sentido teologicamente positivo: como plena participação e configuração à vida de Cristo ressuscitado. Tal ressurreição é reservada somente aos bons. Aqueles que viveram na comunhão com Cristo serão completamente transfigurados, transformados em Cristo ressuscitado: serão como o próprio Cristo: passarão desta vida para uma outra Vida, plena, realizada, eterna! Este último sentido é o que realmente tem importância e faz parte essencial do anúncio cristão; antes, é o próprio centro do Evangelho! Quando dizemos que Cristo ressuscitou e que, nele, nós ressuscitaremos, é neste último sentido que estamos falando! A ressurreição que nos interessa é esta última!
A ressurreição, então, é a passagem desta vida (limitada, ambígua, precária) para uma Vida plena, diversa desta nossa vida de agora: teremos a Vida do próprio Cristo ressuscitado, uma Vida divina, na qualnosso corpo e nossa alma serão transfigurados. Como diz a III Oração Eucarística para as crianças: “No Reino de Jesus ninguém mais vai sofrer, ninguém mais vai chorar, ninguém mais vai ficar triste!” Nosso corpo será transfigurado, como o de Jesus: não mais estará sujeito às leis da física, da matéria como a conhecemos agora; nossa alma também será ressuscitada, transformada: nunca mais teremos tristezas, depressão, saudades... seremos plenamente realizados, porque estaremos para sempre com o Senhor, que saciará todas as nossas sedes e realizará todos os mais profundos anseios do nosso coração! É isto que significa ressuscitar! Mas, vamos seguir passo a passo o Novo Testamento!
Vejamos, primeiro, o ensinamento do próprio Jesus Cristo. No seu tempo, a ressurreição era uma doutrina muito divulgada e aceita entre os judeus. Somente os saduceus achavam que a vida acabava com a morte (cf. Mc 12,18; At 23,6-8). Uma idéia que nunca existiu no meio do povo de Israel foi a da reencarnação - esta não tem nada a ver com a Bíblia! Contra os saduceus, Jesus ensinou que Deus é o Deus dos vivos e não dos mortos: ele é o Deus que ressuscita seus amigos (cf. Mc 12,18-27). Para Jesus, essa vida após a morte será vida com o corpo e não somente como a alma: “Não tenhais medo dos que matam o corpo mas não podem matar a alma. Deveis ter medo daquele que pode fazer perder-se a alma e o corpo no inferno” (Mt 10,28). Observe-se bem que corpo e alma sofrerão no inferno: “Se teu olho direito te leva a pecar, arranca-o e joga longe de ti, pois é preferível perder um dos teus membros do que teu corpo inteiro ser lançado no inferno. E se tua mão direita te leva a pecar, corta-a e joga longe de ti, pois é preferível perder um dos teus membros do que teu corpo inteiro ser lançado no inferno” (Mt 5,29s). Jesus ensina também que bons e maus “ressuscitarão” (no segundo sentido, que apresentamos acima) para o julgamento: e, assim, uns ressuscitarão para a Vida (verdadeira Ressurreição: estar com Cristo e, com ele, ser glorificado) e outros ressuscitarão para a morte (ressurreição em sentido figurado: viver no inferno, viver na morte!): “Não vos admireis, porque vem a hora em que todos os que estão mortos ouvirão sua voz. Os que praticaram o bem sairão dos túmulos para a ressurreição da vida; os que praticaram o mal ressuscitarão para serem condenados” (Jo 5,28s). O próprio Senhor ensinou também que, após a sua ressurreição, aqueles que comessem, na Eucaristia, seu corpo ressuscitado, pleno de Vida eterna, ressuscitariam também com ele e como ele. Ressurreição, aqui, no sentido forte, profundo, verdadeiro: “Jesus lhes disse: “Na verdade eu vos digo: se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia. Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim, e eu nele” (Jo 6,53s.56).
Assim, Jesus não somente anunciou sua própria ressurreição (cf. Mc 8,31; Mt 16,21ss; Lc 9,22, etc), como também ensinou que todos ressuscitariam por ele! Há uma passagem em Mateus que mostra bem isto: “Os túmulos se abriram e muitos corpos de santos ressuscitaram. Eles saíram dos túmulos, depois da ressurreição de Jesus, entraram na Cidade Santa e apareceram a muitos” (Mt 27,52s). Qual o significado deste trecho tão misterioso? Será que os mortos voltaram a viver e entraram em Jerusalém, espantando as pessoas?! Não! Não é isto que Mateus quer dizer! Ele quer afirmar somente que a ressurreição de Cristo é causa da nossa ressurreição. A Cidade Santa na qual os mortos entrarão é a Jerusalém celeste, a Glória do Corpo de Cristo, isto é, o Céu (cf. Ap 21,2.10; 22,19). Mateus usa, aqui, aquele tipo de linguagem que os estudiosos da Bíblia chamam de apocalíptica: uma linguagem cheia de figuras! Já falamos sobre isso nos primeiros tópicos!
Concluindo, por enquanto: 1) Jesus ensinou a ressurreição; 2) ensinou que ressuscitaremos em corpo e alma; 3) ensinou que há uma ressurreição para a Vida (verdadeira ressurreição) e uma ressurreição para a morte (para a condenação: ressurreição às avessas!); 4) o próprio Jesus é a causa da nossa ressurreição: ressuscitaremos porque ele ressuscitou!
No próximo tópico veremos como o restante do Novo Testamento desenvolve e aprofunda a idéia de ressurreição! Até lá!
A ressurreição dos mortos - III
No tópico passado vimos que Jesus, com os fariseus também, ensinou a ressurreição dos mortos. Só que Cristo ligou a ressurreição da humanidade à sua ressurreição: os homens ressuscitarão porque Cristo ressuscitou, ressuscitarão em Cristo ressuscitado, ressuscitarão como Cristo ressuscitado, ressuscitarão com Cristo ressuscitado. Em outras palavras: Cristo é a nossa ressurreição, a nossa Vida plena!
Esta idéia é retomada e desenvolvida pelo Novo Testamento todo, sobretudo por São Paulo.
Desde o nosso Batismo nós recebemos o Espírito do Cristo ressuscitado, o Espírito Santo, aquele mesmo que ressuscitou Jesus. Recebendo este Espírito de Ressurreição, nós já começamos, nesta vida, a viver a Vida nova do Cristo ressuscitado... Vida que explodirá em nós, de modo pleno e total, após a nossa morte, quando em corpo e alma seremos configurados a Cristo! Escutemos o Apóstolo: “Ignorais que todos nós, batizados para Jesus Cristo, fomos batizados na sua morte? Com ele fomos sepultados pelo batismo na morte para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim também andemos em novidade de vida. Pois, se estamos inseridos no solidarismo de sua morte, também o seremos no da ressurreição. Sabemos pois que nosso velho homem foi crucificado para que fosse destruído o corpo de pecado e já não servíssemos ao pecado. Com efeito, quem morre está livre do pecado. Se morremos com Cristo, cremos que também viveremos com ele. Pois sabemos que, ressuscitado dos mortos, Cristo já não morre, a morte já não tem poder sobre ele. Porque, morrendo, morreu para o pecado uma vez para sempre. Mas, vivendo, vive para Deus. Assim, pois, considerai-vos mortos para o pecado, porém vivos para Deus em Jesus Cristo” (Rm 6,3-10).
Assim, já nesta vida, a ressurreição de Cristo começa a agir em nós desde o Batismo. E cada vez que rezamos, que fazemos o bem, sobretudo quando recebemos os sacramentos - particularmente a Eucaristia! - é o Espírito do Ressuscitado que vai agindo em nós, desenvolvendo sua ação, preparando-nos para a eterna e plena configuração com Cristo ressuscitado.
Vejamos e analisemos alguns textos paulinos sobre a ressurreição. O mais antigo deles é da carta aos tessalonicenses. Os cristãos de Tessalônica estavam confusos pela morte de vários membros da Comunidade antes da Parusia. E agora? Aqueles irmãos tinham morrido antes da Vinda de Cristo! Então quando Cristo voltasse (já vimos que, no início, eles pensavam que Cristo voltaria logo), como ficariam aqueles irmãos já mortos? Notemos que, para os primeiros cristãos, o importante era a ressurreição final de todos, no dia da Ressurreição, Dia da Vinda do Cristo! Então todos os mortos participarão da Glória do Cristo! Paulo, então, explica aos tessalonicenses que os vivos não precederão os mortos: “Irmãos, não queremos que ignoreis coisa alguma a respeito dos mortos, para não vos entristecerdes, como os outros homens, que não têm esperança. Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, cremos também que Deus levará com Jesus os que nele morrerem. Eis o que vos declaramos conforme a palavra do Senhor: nós, que ficamos ainda vivos, não precederemos os mortos na vinda do Senhor. Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o próprio Senhor descerá do céu e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os vivos, que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente com eles para as nuvens, ao encontro do Senhor nos ares. Assim estaremos sempre com o Senhor. Consolai-vos, pois, uns aos outros, com estas palavras”. (1Ts 4,13-18). Notemos os ensinamentos de Paulo: (1)Deus nos ressuscitará com Jesus ressuscitado. Nunca vamos nos cansar de repetir: é Cristo a causa de nossa ressurreição. Ressuscitaremos não simplesmente porque temos uma alma imortal, mas porque Cristo nos dará sua Vida de ressuscitado! (2) É interessante também observar que Paulo esperava a Vinda do Senhor para logo: neste texto ele pensa que estará vivo quando Cristo voltar. No entanto, quando Cristo vier - notemos bem! - todos serão ressuscitados, vivos e mortos! Ou seja, quem estiver morto, será transformado pela Glória de Cristo e quem estiver vivo será também revestido, no corpo e na alma, desta Vida nova, completamente diferente desta nossa vidinha atual! (3) Outra coisa, que já expliquei antes: quando Paulo usa a imagem do anjo, do toque da trombeta, do arrebatamento, das nuvens, de ir pelos ares... tudo isto é figura, é metáfora, é a linguagem apocalíptica! Já falamos sobre isto antes! Aquela história de arrebatamento, como algumas seitas falam, é um fundamentalismo tolo e completamente ingênuo! (4) O que Paulo quer é chamar atenção para o ponto mais importante: nós iremos ao encontro com o Senhor; nós estaremos para sempre com o Senhor! Isto é que é o importante, isto é o que vale, isto é o que interessa! Estaremos para sempre com ele e nele, na sua Glória eterna! Seremos como ele... para sempre! Como será isto? Paulo não diz e não sabe... e nem interessa! É impossível descrever como será o mundo futuro! Já falamos sobre isto nos tópicos passados!
Mas o texto mais importante do Novo Testamento sobre a ressurreição é 1Cor 15! Nós vamos começar a estudá-lo neste tópico e vamos continuar o estudo no próximo. Vamos por partes: “Recordo-vos, irmãos, o Evangelho que vos tenho pregado e recebestes, no qual estais firmes. Por ele sereis salvos, se o conservardes como eu vos preguei. De outra forma em vão tereis abraçado a fé. Pois na verdade eu vos transmiti, em primeiro lugar, o que eu mesmo recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; que foi sepultado; que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as escrituras, e que apareceu a Cefas, depois aos Doze. Posteriormente apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez, dos quais muitos ainda vivem, outros já morreram. Depois apareceu a Tiago, depois a todos os apóstolos. E depois de todos, como a um filho abortivo, apareceu também a mim. É que sou o menor dos apóstolos. Nem sou digno de ser chamado apóstolo, pois persegui a Igreja de Deus. Mas pela graça de Deus sou o que sou, e a graça que me conferiu não foi estéril. Ao contrário, tenho trabalhado mais do que todos eles, mas não eu e sim a graça de Deus comigo. Pois tanto eu como eles é assim que pregamos e foi assim que crestes” (vv. 1-11).
Notemos a importância da fé na ressurreição: é o centro do cristianismo, é o Evangelho, a Boa Notícia que Paulo prega! Cristo ressuscitou dos mortos, venceu a morte para sempre! Sem ressurreição não há Evangelho; há somente a velha história: nascemos e morremos... e basta! Paulo nos diz que crer na ressurreição de Cristo é acolher a salvação! E pensar que tem gente que crê em reencarnação e se considera cristã! Mas, vamos pra frente: “Ora, se pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos, como é então que dizem alguns de vós que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos também Cristo não ressuscitou. Se Cristo não ressuscitou, é vã nossa pregação e vã vossa fé. Seremos também falsas testemunhas de Deus, porque contra Deus afirmamos que ele ressuscitou Cristo dos mortos, a quem não teria ressuscitado, visto que os mortos não ressuscitam. Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, vã é vossa fé, e ainda estais em pecado. E até os que em Cristo morreram, pereceram. Se só temos esperança em Cristo para esta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens” (vv. 12-19).
Por que Paulo repreende os coríntios? Porque alguns pensavam que a ressurreição era somente espiritual, era ter uma vida honesta, direita! Paulo não aceita nada disso! Nós ressuscitaremos pra valer. Negando que os cristãos ressuscitarão, os coríntios negam a ressurreição de Cristo: se não há ressurreição, Cristo não ressuscitou e a fé cristã é vã. Assim, se Cristo não ressuscitou, também nós não ressuscitaremos... e a fé cristã não serviria para nada! Estamos vendo como é forte e central a fé na ressurreição! Sem ela não há nenhuma fé cristã!
Por enquanto, fiquemos por aqui. No próximo tópico vamos continuar a estudar este e outros textos de Paulo! Veremos, sobretudo, com que corpo os mortos ressuscitarão!
A ressurreição dos mortos - IV
No tópico passado estávamos falando sobre a ressurreição. Estudávamos 1Cor 15. Vamos prosseguir analisando o nosso texto: “Mas na verdade Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morrem. Com efeito, assim como por um homem veio a morte, assim também por um homem vem a ressurreição dos mortos. Assim como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos reviverão. Cada qual, porém, em sua ordem: como primícias, Cristo, em seguida os que forem de Cristo por ocasião de sua vinda. Depois será o fim, quando entregar o reino a Deus Pai, após haver destruído todo principado, toda potestade e toda dominação. Porque é necessário que ele reine até pôr todos os inimigos debaixo de seus pés. O último inimigo reduzido a nada será a morte, pois ele pôs todas as coisas debaixo dos pés. Quando diz que todas as coisas lhe serão submetidas, evidentemente não inclui aquele que as submeteu todas. Ao contrário, quando tudo lhe estiver sujeito, então também o próprio Filho renderá homenagem àquele que lhe sujeitou todas as coisas, a fim de que Deus seja tudo em todos” (vv. 20-28).
Paulo agora usa a imagem de Adão, o primeiro homem, para comparar com Cristo: assim como pelo primeiro homem veio a morte para a antiga humanidade marcada pelo pecado, pelo Novo Adão, Cristo Jesus, vem a Vida plena para a humanidade nova, que são aqueles que nele crêem e recebem a salvação! Cristo é a Cabeça, as primícias, o início da ressurreição de toda a humanidade: nele, todos reviverão (não no sentido de voltar a esta vidinha, mas de viver a Vida nova na Glória). Então, já não haverá mais morte, mas só a Vida plena... e toda a criação será sujeitada a Cristo, ou seja, será glorificada! Lembrem-se: novos céus e nova terra! E Deus Pai, pelo seu Filho, na Glória do Espírito, será tudo em todos!
Paulo continua: “De outra maneira, o que pretendem aqueles que se batizam em favor dos mortos? Se os mortos realmente não ressuscitam, por que se batizam por eles? E nós, por que nos expomos a perigos a toda hora? Cada dia, irmãos, me exponho à morte, tão certo como sois a minha glória em Jesus Cristo, nosso Senhor. Se foi por intenção humana que combati com feras em Éfeso, o que me aproveita isso? Se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos porque amanhã morreremos. Não vos enganeis: “As más companhias corrompem os bons costumes”. Caí em vós, como é justo, e não pequeis porque alguns vivem na ignorância de Deus. Para vossa vergonha é que o digo” (1Cor 15,29-34).
O Apóstolo apresenta agora duas motivações a favor da ressurreição: 1) alude à prática coríntia de fazer-se batizar pelos mortos: os coríntios tinham um costume estranho de se batizarem em nome dos antepassados que morreram sem o batismo. Paulo não aprova nem desaprova este costume; simplesmente faz a ligação dele com a necessidade da fé na ressurreição: somente teria sentido este costume se existir ressurreição e 2) recorda seu próprio apostolado: todas as lutas e privações seriam perdidas se não fossem motivadas pela esperança na ressurreição: se não há ressurreição - e aqui Paulo exagera retoricamente! - comamos e bebamos porque depois morreremos... “Mas alguém perguntará: como ressuscitam os mortos? Insensato! O que semeias, não nasce sem antes morrer. E, quando semeias, não semeias o corpo da planta, que há de nascer, mas o simples grão, como o de trigo ou de alguma outra planta. E Deus lhe dá o corpo segundo quis, a cada uma das sementes o próprio corpo. Não é toda carne a mesma carne, senão que uma é a carne dos homens, outra a do gado, outra a das aves e outra a dos peixes. E há corpos celestes e corpos terrestres, e um é o resplendor dos corpos celestes e outro o dos terrestres. Um é o resplendor do sol, outro o da lua e outro o das estrelas, e uma estrela difere da outra no brilho. Pois assim será também a ressurreição dos mortos. Semeia-se em corrupção e ressuscita-se em incorrupção. Semeia-se em ignomínia, e ressuscita-se em glória. Semeia-se em fraqueza, e ressuscita-se em vigor. Semeia-se um corpo animal, e ressuscita-se um corpo espiritual. Pois, se há um corpo animal, há também um espiritual. E por isso está escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente; o último Adão, espírito vivificante. Mas não é primeiro o espiritual, e sim o animal, e depois o espiritual. O primeiro homem, feito da terra, é terreno; o segundo homem é do céu. Qual foi o homem terreno, tais são também os terrenos; qual é o celestial, tais são também os celestiais. E, assim como trazemos a imagem do terreno, traremos também a imagem do celestial” (1Cor 15,35-49).
Esta última parte da explicação de Paulo é importantíssima: como ressuscitam os mortos? A resposta de Paulo é irritada: insensato! Por que quem faz esta pergunta é insensato? Porque pensa no além como se fosse esta vida! O mundo futuro não pode ser descrito, pois é uma realidade completamente nova! Já falamos tanto disso! Qualquer tentativa de descrever o além, o final dos tempos, a Vinda de Cristo, o modo da ressurreição é pura insensatez! Bem que as seitas podiam aprender isto! Nos evangelhos, Jesus já repreendera os saduceus por pensarem o além como o aquém: “Jesus lhes respondeu: ‘Estais enganados e não conheceis nem as Escrituras, nem o poder de Deus. Porque na ressurreição, as pessoas não se casam, nem se dão em casamento, mas são como os anjos no céu’” (Mt 22,29s). O Apóstolo faz, então, duas comparações:
1) A primeira é o nascimento da planta a partir de uma semente morta na terra: para os antigos, a semente nascia por uma ação de Deus: é ele quem dá um corpo a cada semente. Assim também acontecerá com a ressurreição: ela é ação de Deus, ligada ao seu poder criador, capaz de transformar uma semente numa planta. Paulo também recorda que Deus tem este poder porque é o criador de tudo: se tirou tudo do nada pode também ressuscitar os mortos: “Ele (Abraão) é nosso pai diante daquele em quem acreditou, o Deus que dá vida aos mortos e chama as coisas não existentes como se fossem existentes” (Rm 4,17b).
2) Paulo faz, então, uma segunda comparação: como na natureza, por obra de Deus, há muitos tipos de carne, também há uma carne ressuscitada, um corpo glorioso, diferente de tudo que nós conhecemos: o corpo ressuscitado não será como o nosso corpo de agora, frágil e mortal! Assim, também a transformação que se dá na ressurreição é fruto da ação de Deus: Nosso corpo, semeado morto como um corpo corruptível, ressuscita incorruptível, semeado humilhado pela morte, ressuscita glorioso, semeado fraco, ressuscita em potência. Em outras palavras: nosso corpo será como o de Cristo! Semeado corpo animal (ou seja, com esta vidinha biológica), ressuscita corpo espiritual, ou seja, espirituado, pleno da Vida do Espírito Santo! Não será um corpo imaterial, mas sim um corpo cuja matéria será impregnada da Glória: pleno de potência e incorruptibilidade!
Paulo, então, fala do primeiro homem, Adão. Assim como nós somos como ele: frágeis, mortais, com a ressurreição, seremos como o novo Adão, Cristo ressuscitado, que é pleno do Espírito Santo que dá a Vida!
Resumindo, nós ressuscitaremos como Jesus: teremos um corpo totalmente transformado pelo mesmo Espírito que ressuscitou o Cristo: será um corpo que não mais pertence a este mundo, não mais tem as limitações deste mundo e, por isso mesmo, é impossível descrevê-lo! É bobagem querer descrever o que o coração humano não pode imaginar!
Fiquemos com as palavras de Paulo: “Sabemos que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus nos ressuscitará também a nós com Jesus e nos fará comparecer diante dele convosco” (2Cor 4,14); “Deus, que ressuscitou o Senhor, também nos ressuscitará a nós pelo poder” (1Cor 6,14).
No próximo tópico terminaremos de tratar sobre a ressurreição, tirando as conclusões finais. Depois, falaremos sobre um erro muito comum hoje em dia: a reencarnação. Então, vamos mostrar porque é impossível para um cristão aceitar esta idéia. Até lá!
A ressurreição dos mortos - V
Depois de termos visto a ressurreição no Novo Testamento, vejamos um pouco como a Igreja desenvolveu sua fé e esperança.
A convicção da Igreja antiga era esta: aqueles que morrem em Cristo estarão com Cristo após a morte. Tertuliano, no século III, afirmava de modo simples e profundo: “Nós cremos que Deus nos ressuscitará por meio do seu Cristo e nos tornará incorruptíveis, impassíveis e imortais”. É importante observar que os primeiros cristãos não se preocupavam tanto com o modo da ressurreição; não se perguntavam tanto se alma é ou não imortal. Nada disso! A preocupação era outra: estar com Cristo: eu estarei com Cristo e nele serei eu mesmo, plenamente feliz! São Justino, já no século II, tem uma frase estupenda: “Não penses que são cristãos aqueles que dizem que não há ressurreição dos mortos, mas dizem que no momento da morte as almas são recebidas no céu!” O que é que Justino deseja afirmar com estas palavras: é cristão não aquele que crê na imortalidade da alma. Isto os gregos pagãos e as religiões antigas pagãs também afirmavam! Cristão é o que acredita na ressurreição, ou seja, é quem afirma que nós estaremos com Cristo, em todo o nosso ser, numa vida totalmente transfigurada! O homem sobrevive à morte unicamente para estar com Cristo, para participar da sua vida ressuscitada, para estar na sua glória! Para o cristão nem é possível pensar um além sem Cristo: ele é nosso além, nossa vida, nossa plenitude, nosso paraíso. Aquele paraíso da novela A Viagem é completamente pagão!
O grande Sto. Irineu, também no século II, grande adversário dos hereges gnósticos, que negavam a ressurreição do corpo, insistia que o cristão alcança a salvação em todo o seu ser porque está ligado a Cristo, morto por nós, ele que virá na glória do Pai para nos ressuscitar e recapitular todas as coisas em si mesmo: é somente em Cristo que temos a imortalidade verdadeira e a incorruptibilidade! Tertuliano afirmava sem meias palavras: “A esperança dos cristãos é a ressurreição da carne. Somos cristãos por esta fé! Quem fala somente em alma imortal fala de uma ressurreição pela metade!” Belo Tertuliano! É cristão somente quem crê na ressurreição! Quem crê em reencarnação, rompe com a fé do Cristo, esvazia a fé cristã! Renega nossa esperança! E Tertuliano explica: “O nosso corpo não se torna outro, mas outra coisa. Ressuscitará, pois, realmente a carne: toda ela, a mesma e intacta! E isto graças ao fidelíssimo Mediador de Deus e dos homens, Jesus Cristo, que restituirá Deus ao homem e o homem e Deus, o espírito à carne e a carne ao espírito”. Escutemos ainda Justino: “Que é o homem, senão um ser composto de uma alma e um corpo? Será que a alma é o homem? Não! Ela é a alma do homem. Será, então, que o corpo é o homem? Não! Ele é chamado corpo do homem. Se, pois nenhuma destas duas coisas é por si mesma o homem, mas chama-se homem o composto de ambas, e se Deus chamou o homem à vida, então não chamou uma parte, mas o (homem) todo é que chamou”. E só mais uma vez Tertuliano: “Se a carne não houvesse de salvar-se, o Verbo de Deus não se teria encarnado. Nossos corpos, depositados na terra e nela dissolvidos, ressuscitarão a seu tempo, porque o Verbo de Deus dar-lhes-á a graça de erguerem-se para a glória de Deus Pai”.
Então, que fique bem claro: a Igreja sempre esperou na ressurreição: o homem, pela força do Espírito do Cristo ressuscitado, sairá da morte totalmente transformado, completamente configurado ao Senhor Jesus glorioso! Eis alguns textos de documentos da Igreja; bastam dois, como exemplo:
O Lateranense IV afirma: “Todos ressurgirão com os corpos de que agora estão revestidos, para receber, de acordo com suas obras boas ou más, uns, a pena eterna e outros, a glória eterna com Cristo”.
Também o Concílio de Lião II: “A mesma sacrossanta Igreja romana crê firmemente e com firmeza afirma que, no dia do juízo, todos os homens comparecerão, com os seus corpos, ante o tribunal de Cristo e prestarão contas de suas ações”.
Se quisermos resumir a fé da Igreja na ressurreição, diremos o seguinte:
1) A ressurreição é um evento escatológico, ou seja, terá lugar no Último Dia, na Vinda de Cristo, no Dia do juízo, também chamado de fim dos tempos.
2) A ressurreição é um evento universal: ressuscitarão todos os homens ou todos os mortos. Tal ressurreição fundamenta-se no Novo Testamento, que espera uma ressurreição de justos e pecadores Já estudamos isto!
3) A ressurreição envolve todo o nosso ser. O conceito de ressurreição inclui uma identidade somática: os mortos ressuscitam com seus próprios corpos. Isto não significa que ressuscitaremos como somos atualmente. Seremos nós, com nossos corpos, mas completamente transformados em glória! Como Cristo, que era o mesmo, mas de um modo totalmente diferente. Lembram-se como os discípulos tinham dificuldades de reconhecê-lo?
Espero que tenha ficado claro qual é a nossa esperança: atravessando a morte, sermos totalmente, em todo o nosso ser, transformados em glória à imagem do Cristo glorificado! Como será isso? Pela força do seu Espírito Santo, o mesmo que o ressuscitou dos mortos e que já recebemos no Batismo.
No próximo tópico vamos falar sobre a reencarnação. É ela possível? Há provas científicas sobre a reencarnação? Um cristão pode ser reencarnacionista?
DOM HENRIQUE
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