Minoria em todos os níveis de ensino, os homens tentam ganhar espaço num ambiente historicamente dominado pelas mulheres e levantam questões como preconceito, desvalorização do trabalho docente e construções sociais que envolvem toda a comunidade escolar
Camila Ploennes
Cesar Doro sempre gostou de trabalhar com crianças. Hoje é diretor do Departamento de Educação de Mogi Mirim (SP) |
Território feminino desde o começo do século 20, a instituição escolar reflete, pela segunda vez, uma discussão sobre os papéis de gênero. Se ao assumirem o curso primário as mulheres transformaram a percepção do fazer docente como uma prática intrinsecamente relacionada a características tidas como femininas, a exemplo da abnegação, os homens agora ressignificam esse espaço. Minoria absoluta em todas as etapas de ensino, a presença masculina na escola incomoda, ainda mais, nas áreas ainda identificadas com o "amor às crianças" e à delicadeza: a educação infantil e os primeiros anos do ensino fundamental. O fenômeno da desvantagem numérica, porém, vai além da "feminização" da profissão: tem a ver com preconceito, desvalorização do trabalho docente e construções sociais que envolvem toda a comunidade escolar.
Na educação infantil, os relatos são de discriminação, questionamento à sexualidade e desconfiança quanto à competência profissional. No ensino fundamental, o processo de alfabetização gera apreensão nos próprios professores homens, ainda inseguros em relação às suas habilidades. Em qualquer etapa, o que está em jogo é a representação do próprio magistério e das relações de poder: os homens, normalmente, ainda assumem funções como ser um coordenador, diretor, ou funcionário direto da administração da rede de ensino.
Disparidades
De acordo com o Censo Escolar 2011, os professores somam 395.228 em todos os ciclos da Educação Básica, o que corresponde a 19,32% em um universo de mais de 2,045 milhões de profissionais, enquanto as professoras são a esmagadora maioria de mais de 1,65 milhão. Por serem minoria, docentes do sexo masculino acabam sendo considerados socialmente "fora do lugar", como destacam pesquisadores desse fenômeno de gênero.
A maior disparidade da presença masculina na escola é percebida na educação infantil. Somente 2,9% dos docentes que trabalham nessa etapa de ensino são do sexo masculino. Ou seja, somam 11.897 de um total de 408.739 docentes. Não muito diferente de 2007, quando entre 336.186 profissionais, os homens eram um grupo um pouco menor em números absolutos (11.415) e um pouco maior em termos porcentuais (3,4%).
Desinteresse pela docência
Os motivos para essa estatística vão além da visão presente no senso comum de que a atuação dos homens colocaria em xeque a segurança ou a sexualidade dos alunos pequenos. Isso porque, conforme os ciclos avançam, a quantidade de professores homens nunca fica equiparada à de professoras, embora aumente. Nos anos iniciais do ensino fundamental, eles são 69.606, o que representa 9,6% do quadro de 724.541 docentes. Nos anos finais, os homens são 222.421, ou 28% de 793.889. Já no ensino médio, são 183.973, ou 37,65% de um conjunto de 488.527.
O que estaria implícito nesse emaranhado de dados? Muito mais do que diferenças numéricas. Segundo especialistas consultados por Educação, além de a modernização do país a partir do século 19 ter direcionado a mão de obra masculina para outras profissões, abrindo cada vez mais espaço para as mulheres trabalharem nas salas de aula, há o desinteresse dos homens pela docência devido à falta de reconhecimento social do ofício e aos baixos salários, incompatíveis com a cobrança ainda existente de que eles sejam provedores de maior parte da renda familiar.
Além disso, as diferenças entre os sexos são transferidas para as profissões, o que confere à docência significados femininos, pela associação direta à maternidade e ao ato de cuidar das crianças, defende Daiane Antunes Vieira Pincinato, doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), autora da tese Homens e masculinidades na cultura do magistério: uma escolha pelo possível, um lugar para brilhar. Por outro lado, ela ressalta que essas distinções de gênero conferem significados masculinos aos cargos administrativos, como o de coordenador pedagógico, por associá-los ao rigor e à autoridade, normalmente esperados dos homens.
Vocação e status
Em sua pesquisa, Daiane entrevistou professores que começaram a carreira no magistério entre 1950 e 1989 na cidade de São Paulo e verificou que a escolha profissional por parte dos homens não era como a das mulheres. "Elas falavam de vocação; eles não desejavam a docência e eram geralmente pessoas de classe social um pouco mais baixa, para quem o magistério acabava conferindo um status maior, um bote salva-vidas", destaca. De acordo com Daiane, nas décadas de 1950 e 1960, a tendência dos professores era trabalhar dois anos com as crianças e depois serem convidados para funções administrativas.
Segundo o professor de Sociologia da Educação Frederico Assis Cardoso, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (Fae-UFMG), os homens têm certa preferência em assumir espaços "ainda demarcados para a vivência de suas masculinidades", como supervisão e chefia ou aulas de educação física, laboratórios de informática ou de ciências. "Há professores que se sentem bastante contemplados em trabalhos de musicalização, de jogos e brincadeiras com as crianças. Isso pressupõe o acesso aos cargos disponíveis nas escolas com mais facilidade do que as mulheres, contando inclusive com elas para que isso seja possível. É a reprodução das relações sociais de gênero em que os homens continuam gozando de mais privilégios na hierarquia de cargos com mais prestígio, em funções de atribuição de controle e poder", analisa, com base em seus estudos para a dissertação de mestrado Homens fora de lugar? A identidade de professores homens na docência com crianças. Leia, nos links abaixo, as questões relacionadas à presença masculina no primeiro ciclo da Educação Básica.
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