O avanço econômico tem gerado emprego e renda, mas também lança luz sobre antigas questões da região
Na Rua Raimundo Laureano Sampaio, logo na entrada do Pecém, um grupo de pedreiros participa da reforma de uma loja que é ampliada. Mais à frente, outros trabalhadores erguem um condomínio, enquanto um morador planeja oferecer sua casa para alugar. A cada dia, o distrito de São Gonçalo do Amarante se transforma, torna-se mais alto, ganha novas cores e muda pouco a pouco sua aparência.
Marisqueira Maria Lima aponta deficiência do saneamento básico como um dos problemas que acompanham o desenvolvimento do Pecém fotos: Viviane Pinheiro
À sombra dos novos prédios e abafadas pelo ruído dos ônibus que transportam centenas de trabalhadores, cenas curtas e, até poucos anos atrás, raras no Pecém ocorrem de modo pouco perceptível, embora sejam carregadas de significado para os moradores mais antigos.
O jovem casal que parte para uma localidade próxima buscando moradia, o aposentado que retira a cadeira da calçada e entra em casa, no fim da tarde, com medo da noite, o adolescente que, por imprudência, sofre um acidente de carro, o estrangeiro que se encanta com as belezas naturais e lamenta o abismo que há entre ele e os que o cercam.
Mais do que um conjunto de atitudes, receios e expectativas aleatórias, esses pequenos acontecimentos são reflexos de uma mudança cujo resultado final é desconhecido e vai depender das atitudes tomadas nos próximos meses pelo poder público, iniciativa privada e população.
Problemas antigos
O desenvolvimento econômico que tem gerado postos de trabalho e renda ao Estado está também atrelado ao surgimento de entraves como a especulação imobiliária e a sensação de insegurança. Ao mesmo tempo, o avanço acelerado lança luz sobre problemas antigos, incompatíveis com o projeto de expansão da região, a exemplo da rede insuficiente de saneamento básico e da necessidade de aprimorar a educação no município.
Consequências
Na primeira reportagem iniciada pelo Diário do Nordeste sobre as transformações no Pecém - publicada no último domingo -, foram abordados os efeitos da chegada de grandes empreendimentos à economia de São Gonçalo e o contraste entre a permanência de cenas tradicionais e o surgimento de novas paisagens no distrito.
Nesta edição, são apresentados alguns dos impactos sociais gerados pelo ritmo de crescimento na área em maior expansão no Estado, além de gargalos que a administração pública tem de superar nos próximos anos.
Avanço populacional
Segundo dados do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia a e Estatística (IBGE), Pecém detinha, naquele ano, 9.156 habitantes, dos quais 2.711 residiam na zona urbana. Em 2009, segundo relatório da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, havia, no distrito, seis escolas, sendo uma estadual, três municipais e duas particulares. Embora a prefeitura se prepare para ampliar a oferta nas redes de educação e saúde do Município, há o receio, entre a população e investidores que por lá aportam, de que as instituições de ensino e saúde em pouco tempo não sejam suficientes para atender à demanda na região.
Receios
Em reuniões do Pacto pelo Pecém, no último ano, da qual participaram representantes de movimentos sociais, foram apresentados, entre os receios ligados ao futuro da região, crescimento urbano desordenado, danos ambientais, insegurança, sobrecarga dos equipamentos públicos, carência de programas voltado ao combate à exploração sexual, ausência de pontos de lazer e diversos outros problemas apareceram entre as opiniões escutadas.
As empresas que participaram dos encontros, por sua vez, também apontaram uma série de ameaças, incluindo estrutura insuficiente de coleta e tratamento de esgoto para as residências no entorno do Cipp, alta taxa de analfabetismo, aumento do custo de vida, crescimento das ocupações irregulares e perda do patrimônio histórico e cultural.
População
9,16 mil pessoas viviam no distrito do Pecém em 2010, de acordo com informações do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Distrito carece de plano urbanístico
Mais do que apenas ampliar a oferta de serviços básicos e tentar abrigar a população no Pecém, afirma o arquiteto e professor José Sales, é preciso colocar em prática um projeto de criação de uma nova estrutura urbana na região, criando uma espécie "cidade nova" moldada conforme as necessidades que pesam cada vez mais sobre a administração pública e os moradores. "Hoje, o Pecém é maior do que a sede urbana de São Gonçalo do Amarante. E vai crescer várias meses mais", enfatiza.
Para o arquiteto, que em 2000 coordenou um estudo que já alertava sobre o risco de crescimento desordenado no Pecém, apenas com um plano urbanístico será possível evitar uma série de problemas sociais que podem se agravar no próximo ano. Isso se deve principalmente à expectativa de que, na vila que 20 anos atrás tinha cerca de 3 mil habitantes, dezenas de milhares de moradores cheguem à área do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp).
"Agora, estão fazendo conjuntos habitacionais lá (nas proximidades do distrito), mas ligados a quê? Conjunto habitacional, por si só, não resolve. Onde é que está o centro administrativo, onde está o hospital", ilustra.
Já concretizados
Entre as ameaças que há mais de uma década foram apontadas pelo estudo, cita a saturação da estrutura do distrito, os problemas ligados a moradias inadequadas e a violência urbana como exemplos de temores que se concretizaram, por conta da ausência de planejamento. "Tudo que existe em uma área onde o crescimento é desordenado", aponta o arquiteto. (JM)
João MouraRepórter
Diário do Nordeste
Nenhum comentário:
Postar um comentário