SÓCRATES
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Existe uma lenda que afirma que
Sócrates começou a tornar-se naquilo que foi ao aperceber-se que não era nada.
Eis o que Sócrates conta no decurso do seu processo:
« O seu amigo Querofonte, um dos intímos
do pequeno grupo, tinha ido consultar o oráculo de Delfos para saber se havia
alguém mais sábio do que Sócrates, ao que a Pítia respondera pela negativa.
Vejamos o que significa a resposta do Deus, interroga Sócrates. Qual será o seu
significado oculto? Tenho a consciência de que não sou nem muito nem pouco
sábio. Que quererá ele dizer quando afirma que sou o mais sábio?
Foi desta perplexidade que nasceu
simultaneamente a investigação e a missão de Sócrates. A investigação
anuncia-se assim:
« Foi procurar um desses homens que passam
por sábios, certo de que poderia pôr à prova o oráculo e dizer-lhe claramente
em seguida: eis um homem mais sábio do que eu e tu declaraste-me o mais sábio. Examinei
então atentamente esse homem e, há medida que foi dialogando com ele, a
impressão com que fiquei foi que esse indivíduo parecia sábio para muita gente,
sobretudo para ele próprio, mas que de modo nenhum o era. Retirei-me pensando,
afinal sou um pouco mais sábio do que ele. Com efeito, é possível que nenhum de
nós saiba nada de importante; só que ele pensa que sabe, embora não saiba; ao
passo que eu, se nada sei, também não considero que sei. Em suma, parece-me que
sou um pouco mais sábio do que ele, quanto mais não seja pelo facto de não
considerar saber aquilo que não sei.» ( in Wolff, página 38)
A investigação continua, de desventura em
desventura em relação ao saber dos outros, para grande surpresa de Sócrates. É
neste ponto que Sócrates, concluindo a sua investigação, inicia a sua missão,
aproximando-se do antigo preceito «conhece-te a ti próprio». É desta tomada de consciência
que vão surgir um ensinamento, um método e uma atitude.
Sócrates queria que o homem atuasse em
função de valores, o que equivale a dizer que a sua tarefa, a sua «missão», à
qual, de resto, ele atribuía uma origem divina, era a de educador na Cidade.
Pois ao longo de dezenas de anos, ele não quis senão tornar os seus concidadãos
melhores.
Método
Socrático
Sócrates adotava sempre pelo diálogo,
costumava iniciar uma conversação fazendo perguntas e obtendo dessa forma
opiniões do interlocutor, que ele aparentemente aceitava. Depois, por meio de
um interrogatório hábil, desenvolvia as opiniões originais da pessoa arguida,
mostrando a tolice e os absurdos das opiniões superficiais e levando e
presumido possuidor da sabedoria a se desconcertar em face das consequências
contraditórias ou absurdas das suas opiniões originais e a confessar o seu erro
ou a sua incapacidade para alcançar uma conclusão satisfatória. Esta primeira
parte do método de Sócrates, destinada a levar o indivíduo à convicção do erro,
é a ironia. Depois, continuando a sua argumentação e partindo da opinião
primitiva do interlocutor desenvolvia a verdade
completa. Sócrates deu a esta última
parte a designação de maiêutica - a arte de fazer nascer as ideias. É este
o método que encontramos amplamente desenvolvido nos diálogos socráticos de
Platão.
Diálogo
Sócrates não viveu
senão pelo diálogo, senão em e pelo contacto com o discípulo, sentia que
qualquer obra escrita era incapaz de nos trazer aquilo que nos dá a palavra e o
diálogo, em que dois seres vivos comunicam no seio dessa verdade que as suas
presenças implicam. Pois é verdadeiramente na presença que o homem se encontra
e pode aprender a conhecer-se, na presença, ou mais precisamente nesta com presença
que o mestre e o discípulo descobrem aprofundando a mensagem que, através da
sua linguagem e pelo seu diálogo, se apresenta pouco a pouco como uma
reminiscência de uma verdade original no interior do qual eles se encontram os
dois.
Assim a personagem de Sócrates
precisa-se aos nossos olhos não «tal como ele foi» mas tal como ele é, não como
alguém a reencontrar através dos documentos múltiplos e sempre demasiadamente
ou não suficientemente eloquentes, mas como uma pessoa a descobrir em nós
próprios. E é esta «existência» de Sócrates que deve permitir compreender o sentido da mensagem que
Sócrates traz em si mesmo e em nós próprios, o sentido da relação entre o
mestre e o discípulo.
Dialogar com Sócrates era submeter-se a
uma lavagem da alma e a uma prestação de contas da sua
própria vida, existem alguns testemunhos que reforçam a ideia que quem que
esteja próximo a Sócrates e, em contacto com ele, põe-se a raciocinar, qualquer
que seja o assunto tratado, é arrastado pelas espirais do diálogo e
inevitavelmente é forçado a seguir adiante, até que, surpreendentemente, ver-se
a prestar contas de si mesmo e do modo como vive, pensa e viveu.
Sócrates dialogava com quem o quisesse
ouvir, principalmente onde se concentravam um maior número de pessoas, como era
o caso da Ágora.
Se quiser consultar mais detalhadamente
informação sobre a Ágora, clique em: Ágora.
Ironia
«O filósofo ironiza», dizia Sócrates;
quase todos os diálogos de Platão refletem em algumas passagem esta ironia que,
para Sócrates, acompanhava toda a reflexão séria, a tal ponto que imensas
discussões filosóficas se nos apresentam
como verdadeiras cenas de comédia.
Torna-se importante observar que a ironia
socrática não se tratava de um talento
satírico ou da expressão de um desejo de difamação. Conforme a observação de
Romano Guardini:
« A ironia de Sócrates [...] não visa
desqualificar o outro, mas ajudá-lo. Ela quer libertá-lo e abri-lo à verdade [...].
A sua ironia procura criar um mal-estar e uma tensão no centro do homem, para
que aí proceda o movimento esperado, no próprio interlocutor, se este não puder
ser socorrido, no auditor.» ( in Jean Brun, página 83)
Sócrates encontrava-se frequentemente
face a temíveis profissionais do saber e da eloquência que nunca se sentiam
apanhados desprevenidos, eram mestres que tinham resposta para tudo e que
ignoraram a hesitação do escrúpulo e da interrogação da reflexão. Sócrates, ao
contrário, era o homem das interrogações, aquele que nunca se deixava
enclausurar em nenhum sistema, aquele que se recusava a ter ponto certo o que
não era, ou a estiar como problemática aquilo que era perfeitamente certo.
Os interlocutores de Sócrates, como
Hípias que sabia fazer tudo, como Protágoras que se dava ares de um professor
de virtude, Cálices ou Trasímaco que pensavam puder fundar uma moral e uma
política sobre o «direito» do mais forte, não eram irônicos, eram pelo
contrário personagens sérias, isto é, personagens que levavam a sério esses
assuntos. Mas a sua seriedade era uma falsa seriedade. Era a essa seriedade é
que se opunha à ironia socrática. Assim, era a seriedade dos interlocutores de
Sócrates que nos devia fazer sorrir, ao passo que a ironia do filósofo devia
ser, ela, levada a sério, pela simples
razão de que ela era a verdadeira consciência.
A ironia de Sócrates consistia em
apanhar o homem sério na sua própria armadilha, mostrando-lhe que essa
seriedade repousa na ignorância que se ignora. Como diz Bergson:
«A ironia que ele passeia com ele é
destinada a afastar as opiniões que não sofreram a prova da reflexão e a
envergonhá-las, por assim dizer, pondo-as em contradição consigo mesmas.» ( in
Jean Brun, página 84)
É por isso que o procedimento de
Sócrates era frequentemente o seguinte: O diálogo que começava pela procura de
uma definição, o verdadeiro, o justo, o belo, a piedade, um interlocutor seguro
de si que dava imediatamente uma definição. Sócrates ficava maravilhado,
aceitava a definição do interlocutor que se impertigava, e tirava dela, com o
seu consentimento, deduções cada vez mais precisas. O interlocutor não deixava
de seguir Sócrates e de o aprovar, extremamente satisfeito por ver que a sua
definição ainda era mais rica do que ele próprio tinha julgado. Depois,
subitamente, Sócrates estacava e mostrava que o ponto de chegada estava em
contradição formal com o ponto de partida. Se o interlocutor estivesse de boa
fé ele concluía daí que a definição de nada valia e que era necessário propor
uma outra. Sócrates retomava então a discussão e passava ao crivo as definições
sucessivas que lhe propunham. Muitas vezes o diálogo concluía-se e Sócrates
deixava o seu interlocutor confundido dizendo-lhe que talvez numa outra altura
pudessem examinar de novo o problema. Mas podia acontecer que o interlocutor
estivesse de má-fé e que então se recusasse a participar na conversa e a
admitir a sua ignorância. Se a pessoa se
entregava ao orgulho ferido, tornava-se um inimigo feroz, e foi esta a razão
que lhe custou a vida.
Sócrates foi comparado ora a uma tremelga
ora a um moscardo. Justamente como a tremelga paralisa a sua presa, do mesmo
modo Sócrates paralisava o interlocutor seguro de si próprio e que não via que
o seu saber não era senão um pseudo-saber, uma ignorância que se ignora.
Em suma, a ironia socrática reconduzia
as pseudocertezas às justas proporções e, denunciava as suas pretensões
usurpadoras, apanhava o interlocutor nas suas próprias redes. A ironia
opunha-se a tudo o que desse conta da existência em termos de conceitos e de
sistemas fechados, a tudo que pretendesse congelar a existência encerrando-a
nos limites muito estreitos do pensamento objetivo: ela denunciava a impotência
dos falsos poderes. Sócrates não se preocupava em ser professor de hebreu, nem
escultor, nem primeiro dançarino, preocupava-se em ensinar aos outros o que
todos sabiam, ou mais exatamente deveriam saber; a intenção de Sócrates era
pois essencialmente irônica uma vez que se propunha fazer que encontrássemos o
que possuímos, fazer que descobríssemos o que temos, que nos colocássemos em
presença da proximidade, e que nos conduzíssemos em direcção ao caminho do
simples e do imediato. Como diz Kierkegaard,
a ironia não é a verdade mas o caminho, pois a ironia impede todo o
homem de ter a última palavra pois no fundo não há palavra que possa ser dada
como última.
Kierkegaard foi um
Filósofo, que nasceu em 1813 e morreu em 1855.
Maiêutica
Sendo filho de uma parteira, Sócrates
costumava comparar a sua atividade com a de trazer ao mundo a verdade que há
dentro de cada um.
« Ora, a minha arte de maiêutico é em tudo
semelhante à das parteiras, mas difere nisto, em que a ajuda a fazer dar à luz
homens e não mulheres e provê às almas geradoras e não aos corpos. E não só,
pois o significado maior desta minha arte é que consigo, mediante ela,
distinguir, com maior segurança, se a mente do jovem dá à luz quimeras e
mentiras, ou coisas vitais e verdadeiras. E tenho em comum com as parteiras
precisamente isto: também sou estéril, estéril em sabedoria; e a censura que já
muitos me fizeram de que eu interrogo os outros, mas nunca manifesto o meu
pensamento acerca de nada, é uma censura muito verdadeira.[...] Por
conseguinte, eu próprio não sou de modo nenhum sábio nem se gerou em mim
qualquer descoberta que seja fruto da minha alma.» ( in Adorno, página 79)
O universalismo socrático não era a negação do valor dos
indivíduos, era o reconhecimento de que o valor do indivíduo só pode ser
compreendido e realizado nas relações entre os indivíduos. Mas a relação entre
os indivíduos se é tal que garanta a cada um a liberdade da pesquisa de si
próprios, é uma relação fundada na virtude e na justiça. E é aqui, portanto, o
interesse de Sócrates, na medida em que se entende promover em cada homem a
investigação de próprio, se volta
naturalmente para o problema da virtude e da justiça.
A maiêutica mais não era, na realidade,
que a arte da pesquisa em comum. O homem não podia ver claro por si só. A
investigação de que se ocupa não pode começar e acabar no recinto fechado da
sua individualidade, pelo contrário, só pode ser fruto de um dialogar contínuo
com os outros, como consigo mesmo. O método socrático tinha como característica
levar cada indivíduo a refletir acerca dos seus deveres. Sócrates começava por chamar a atenção de cada um para os seus
interesses pessoais, interesses
domésticos ou pessoais, educação dos filhos, problemas da vida da cidade,
questões relativas ao saber. Levava em seguida os seus interlocutores quaisquer
que eles fossem, a extrair do caso
particular o pensamento universal. Começando por suscitar a desconfiança
em relação aos preconceitos que cada um aceitou sem exame prévio, conseguia
convencer o seu interlocutor a procurar em si próprio o que era. Conduzia-lo assim, por um lado, a extrair o
universal do caso concreto e a expor plenamente à luz aquilo que se esconde em
qualquer consciência; e, por outro lado, obriga-o a destruir as generalidades
aceites de imediato pela consciência.
Não tendo conseguido formular uma
filosofia de maneira sistemática, o processo principal de Sócrates consistia em
interrogar, em ajudar cada um a tomar consciência dos seus próprios
pensamentos, ou melhor, em despertar dentro de cada indivíduo a consciência do
universal, a qual existe no foro íntimo de todos como essência imediata. Tal
como escreveu Hegel, Sócrates opõe à interioridade acidental e particular a
universal e verdadeira interioridade do
pensamento. A introspecção é o característico da filosofia de Sócrates, e
exprime-se na famosa frase, Conhece-te a ti próprio. Isto é torna-te consciente
da tua ignorância.
"Conhece-te
a ti próprio”
O templo de Delfos trazia inscritas no
seu frontispício diferentes fórmulas de sabedoria entre as quais a célebre:
«Conhece-te a ti próprio», de que Sócrates fez a trave mestre do seu
pensamento. Este conselho de Deus foi para Sócrates simultaneamente uma arma de
combate contra os sofistas, e uma mensagem ao aprofundamento da qual ele
convidou os seus discípulos a consagrarem-se. Como podemos constatar no seguinte excerto:
« Sócrates
Agora, qual será a arte pela qual poderíamos - nos preocupar conosco?
Alcibíades
Isto eu ignoro.
Sócrates
Em todo caso, estamos de acordo num ponto: não é pela arte que nos melhorar
algo que nos pertence, mas pela que faculte uma melhoria em nós mesmos.
Alcibíades
Tens razão.
Sócrates
Por outro lado, acaso poderíamos reconhecer a arte que aperfeiçoa os calçados, se não soubéssemos em que
consiste o calçado?
Alcibíades
Impossível.
Sócrates
Ou a arte que melhora os anéis, se não soubéssemos o que é um anel?
Alcibíades
De facto, não!
Sócrates
Então, por ventura podemos conhecer a arte de nos tornarmos melhores, sem saber o que somos?
Alcibíades
Não, isto não é possível.
Sócrates
Entretanto, será fácil conhecer-se a si mesmo? E teria sido um homem ordinário
aquele que colocou este preceito no templo de Pytho? Ou trata-se pelo contrário
de uma tarefa ingrata que não está ao alcance de todos?
Alcibíades
Quanto a mim, Sócrates, julguei muitas vezes que estivéssemos ao alcance de
todos, mas algumas vezes também que ela é muito difícil.
Sócrates
Que seja fácil ou não, Alcibíades estamos sempre em presença do facto seguinte:
Somente conhecendo-nos é que podemos preocupar conosco, sem isto não podemos.
Alcibíades
É muito justo. » ( in Sauvage, página 131)
Concluímos que os ensinamentos de
Sócrates tinham dois propósitos. O primeiro era de demonstrar que o
conhecimento era a base de toda a acção virtuosa; o segundo, indicar o
conhecimento devia ser desenvolvido pelo próprio indivíduo, de sua própria
existência, por meio do método dialético. O conhecimento, sustentava ele, era o
requisito prévio da livre ação em todas as artes. Isto é sobretudo verdadeiro no
caso da mais elevada das artes, a arte de bem viver. Esse conhecimento
sustentava Sócrates não podia ser adquirido pela simples aceitação de opiniões
individuais, mas somente pela procura daquilo que é comum a todos e que
constitui a verdade universalmente válida. Mas o indivíduo era incapaz, sem
instrução, de descobrir em sua experiência essa verdade de validez universal.
Tal verdade só podia ser adquirida mediante o processo da dialética. Em
consequência, o alvo do trabalho de Sócrates, assim como o seu ponto de vista
sobre o objetivo geral da educação, era o de desenvolver em cada indivíduo o
poder de formular verdades universais.
Demônio
de Sócrates
Sócrates costumava dizer que um «demônio»
interior, que qualquer coisa de divino, lhe prodigalizava advertências nas
circunstâncias difíceis da sua vida. É assim que, na Apologia, Sócrates disse
aos seus juízes,
Vós tendes
frequentemente e em todo o lado ouvido dizer que um signo divino e demoníaco se
manifesta em mim, aquilo que Meleto fez escárnio um dos seus objetivos
principais de acusação. Isso começou desde a minha infância; é uma espécie de
voz que, quando se faz ouvir, me desvia sempre do que me proponho fazer, mas
nunca me incita a isso. É ela que se opõe a que eu me ocupe da política, e
creio que é de uma extrema felicidade para mim que ela me desvie disso.
(in Jean Brun, página 71)
O demônio de Sócrates era algo de muito
específico que dizia respeito muito particularmente à excepcional personalidade
de Sócrates, colocando no mesmo plano de um tipo de mediunismo que se fazia
presente em certos momentos de concentração muito intensa e em momentos de
reflexão bastante próximos aos arrebatamentos de êxtase em que Sócrates mergulhava algumas vezes e que duravam
longamente.
O demônio era o bem que ligava Sócrates
ao divino, mas ele detinha-o mais do que o incitava, mais do que conselhos
positivos ele formulava interdições, deixando, por conseguinte a Sócrates toda
a liberdade e toda a responsabilidade para descobrir por si próprio a via a
seguir. Como observa G. Bastide o estudo dos textos conduz a três constatações
essenciais: Primeiro que tudo, Sócrates
explica a sua conduta por recurso a um deus interior, a uma advertência íntima,
a uma voz demoníaca que nunca o abandona. Em seguida, com uma ou duas exceções
talvez esta voz interior tome a forma proibitiva, quando se trata de desviar
Sócrates deste ou aquele ato ou deste ou aquele compromisso preciso. Enfim o
deus é uma força imperiosa que determina de uma forma total a vocação
espiritual de Sócrates. Assim pode-se dizer que ele é simultaneamente um
inspirado e um espírito crítico.
Nietzsche, por sua vez, sublinha que o demônio de Sócrates o advertia
sempre que se abstenha mas que ele nunca o incitava a ir para a frente; assim
enquanto que em todos os homens produtivos o instinto é uma força crítica e
negativa, em Sócrates o instinto torna-se crítico e a consciência criadora, o
que para Nietzsche constitui uma «monstruosidade por carência».
Aplicação
do método socrático à educação
Segundo Sócrates, ele nada ensinava,
apenas ajudava as pessoas a tirarem de si mesmas opiniões próprias e limpas de
falsos valores, pois o verdadeiro conhecimento tem de vir de dentro, de acordo
com a consciência. Até mesmo na actividade de aprender uma disciplina qualquer,
o professor nada mais pode fazer que orientar e esclarecer dúvidas, como o
lapidador tira o excesso de entulho do diamante, não fazendo o próprio
diamante. O processo de aprender é um processo interno, e tanto mais
eficaz quanto maior for o interesse de
aprender. Só o conhecimento que vem de dentro é capaz de revelar o verdadeiro
discernimento.
A influência imediata do ensino de
Sócrates sobre a educação foi dupla. Em relação ao conteúdo
constitui uma exaltação, sem precedentes, do conhecimento. Isto coincidiu com
idêntica influência dos sofistas, que proclamam dar conhecimento exigido pelas
novas condições da época. Mas, justamente porque o conhecimento, para Sócrates,
continha uma inevitável projeção moral, encerrava, também uma concepção muito
mais ampla do que o conhecimento dos filósofos primitivos, do que a informação
dos sofistas é mesmo do que a concepção
moderna do conhecimento. Tal distinção, porém, era dificilmente percebida pelo
povo em geral.
Para ambos, Sócrates e Platão, pouco
progresso mental se obtinha do simples facto de ministrar conhecimentos. Aos
métodos populares dos sofistas, que almejavam disseminar informações por meio
de prestações formais, estes dois filósofos opuseram o método dialético ou de
conversação. O objetivo desse método era gerar o poder de pensar. O seu alvo
era formar espíritos capazes de tirar conclusões corretas, de formular a
verdade por si mesmos, em vez de dar-lhes conclusões já elaboradas.
As contribuições
permanentes e imediatas de Sócrates para a educação são estas:
Sócrates
1) o conhecimento possui um valor prático ou
moral, isto é, um valor funcional, e consequentemente é de natureza universal e
não individualista;
2) processo objetivo para obter-se
conhecimento é o de conservação; o sub - objetivo é de reflexão e da
organização da própria experiência;
3) a educação tem por objetivo imediato o
desenvolvimento da capacidade de pensar, não apenas ministrar conhecimentos.
Nesses aspectos sua influência tem sido tão
ampla e é ainda tão poderosa quanto foi a influência das suas práticas nas
escolas gregas daquele período.
Limitações
do método socrático
Este método é adequado, quando se
aplica à formulação de verdades éticas. Ele ajuda a determinar que um acto é
justo, que uma conduta é recta, que é honroso, etc., já que a respeito de tudo
isso, todos os indivíduos têm experiência concreta. As limitações do método
surgem quando aplicado a matérias como a ciência, a história e a literatura, em
que o conteúdo não é dado pela experiência do indivíduo, mas é social. O método
socrático pode definir, classificar, interpretar cientificamente, mas não pode
dar conteúdo.
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