quinta-feira, 21 de junho de 2012

O Brasil dos desiguais




Imagem do Google
Sou professor há 10 anos. Descobri a vocação de educador no ano de 2000 quando fiz um curso de Pedagogia. Antes porem, há uma longa a historia a ser contada. Sou de família humilde, onde meu pai é agricultor e analfabeto. Este, teve que cuidar de uma família de 9 irmãos, o qual eu tive a sorte de ser o primeiro. Nasci numa localidade muito pobre, onde tivemos muitas dificuldades, mas que meu pai, mesmo em meio às dificuldades, tentou fazer o melhor por nós.

De nosso pai e nossa mãe, herdamos tudo o que somos hoje como pessoa: o caráter, a honestidade e a coragem de trabalhar e o respeito a quem quer que seja. Esse legado nos acompanha por onde passamos.
Esc. do Estado/estrutura
Quanto a nossa educação, esta foi deficiente, principalmente para mim. Quando pequeno, estudei numa escola que funcionava na casa de uma pessoa da localidade. Casa esta de taipa. O banco onde nos sentávamos era uma linha de carnaúba colocada entre duas forquilhas que seguravam o mesmo. A professora, mesmo que tivesse toda boa vontade, pouco sabia para nos dar aprendizagem digna e que de fato nos desse uma educação que viesse a mudar a historia de alguém. Entretanto, mesmo dentro dessa realidade, aprendi a ler e a escrever a partir da 2ª série. Foram tempos difíceis, para mim. Meu pai, por ser analfabeto, pouco lhe interessava o estudo. Desde muito cedo tivemos que trabalhar na roça, visto que para meu pai, como para a maioria das pessoas que moram no campo, estudo é para quem não tem o que fazer. E o que fazer? Assim foi minha infância e pré-adolescência.

Cresci em meio a esta dualidade entre estudo precário e trabalho. Outro fator marcante era que tínhamos necessidades de quase tudo. Vivíamos como que sem muitas expectativas de um futuro melhor. Mesmo assim continuei estudando pelo esforço de minha mãe, que tinha apenas a 4ª série. Foi ela a responsável por tudo e pelo qual escrevo este artigo.
Estudei até a 6ª serie em minha localidade e depois fiquei fora da escola por dois anos, pois em minha localidade não havia as séries seguintes. Nessa época não havia um carro disponível para que pudéssemos nos deslocar para a sede do município para assim poder continuar os estudos.
Depois de dois anos, passei a morar e a trabalhar no comércio de um tio meu, isso em outro município. Trabalhava das 6 da manhã às 18 horas e depois era que eu ia para a escola. Depois de um dia inteiro de trabalho não é difícil você imaginar o que poderia acontecer. Muitas vezes eu dormia na sala de aula de tão cansado. Outras vezes tirava notas baixas por não ter tempo para o estudo. Alem do mais, não tínhamos livros, qualquer meio pedagógico que não fosse um caderno e um lápis para escrever tudo.  Foram tempos difíceis. Muitas vezes me perguntava: meu Deus, tenho que passar por tudo isso?  Mas continuava, pois algo me dizia que era por meio daquele sofrimento que eu iria vencer e mudar minha visão de mundo.
Depois de terminar o ensino médio, continuei trabalhando nesse comercio, mas sem muitas expectativas. Somente em 2002, depois de fazer um curso pedagógico, tomei consciência de minha missão. De imediato senti que tinha a vocação para o magistério. Finalizando o curso, logo passei a exercer a profissão. Inicialmente lecionando para jovens e adultos e também a fazer o curso de pedagogia. Lembro que fiz esse curso de Pedagogia com muitas dificuldades, visto que era pago e o salário do professor na época era baixíssimo. Depois disso tive que fazer vários outros cursos de formação para decentes e aperfeiçoamento. De lá pra cá nuca mais parei de estudar. Hoje estou terminando o curso de Bacharelado em Teologia e habilitação em História.
10 anos depois, exercendo a profissão, já tenho certo conhecimento da realidade da educação, se não do Brasil, mas da nossa realidade, posso dizer que conheço um pouco. Hoje leciono as séries finais do Ensino Fundamental e três anos seguintes do Ensino Médio e posso dizer que conheço de perto a realidade na qual nos encontramos.
Os governos ultimamente tem tentado melhorar nossa educação, embora esteja muito a quem do que de fato precisa melhorar, para que o Brasil saia dos patamares baixíssimos em relação a outros países do mundo.
Poderia continuar dissertando longamente sobre esse fato, mas vou ser breve e ao mesmo tempo claro.
Em minha cidade trabalho em escolas municipais e estaduais. Só na sede, em uma das escolas do Estado, temos em tornos de 900 alunos distribuídos em salas de primeiro ao terceiro ano do Ensino Médio.  Estas formadas em media por 35 a 40 alunos. A realidade dessas salas é quente, escuras e a infraestrutura da escola deixa desejar em todos os sentidos. Estamos no século XXI e a escola continua como se estivéssemos na metade do século passado.
Outro fator que pesa é que trabalhamos com a massa carente e desprovida do mínimo necessário. Falta quase tudo a esses jovens. São alunos em sua maioria da classe mais baixa da sociedade. Ainda há toda a problemática da família, das drogas, do desemprego. Todas essas mazelas estão presentes dentro das nossas escolas. É realmente um desafio para nossos tempos.
Dentro desse contexto, os governos tem tentado melhorar essas instituições de ensino e haja vista que já melhorou bastante. Temos quase todas as crianças e jovens dentro das escolas. Sendo assim, o governo passou a cobrar resultados e a fazer determinadas provas externas para averiguar como anda o desempenho da educação no país.
Essas avaliações são válidas e sabemos que quando se cobra há certa preocupação em melhorar os resultados. O que não se entende é que, para que sejam feitas estas cobranças é necessário oferecer também todas as condições para que assim se obtenha os resultados esperados.
Quando estou em sala ministrando minhas aulas, tento motivar, levantar o astral dos alunos, o que tenho conseguido depois de muito esforço, arrancar um sorriso, uma prosa etc. Graças a Deus durante todo esse tempo, não me arrependo de ter escolhido esta profissão, mas a cada dia vou me frustrando diante da realidade com a qual me deparo. Onde funciona a demagogia do governo em querer mostrar uma realidade que não existe. Em determinadas circunstâncias fico chocado.
Nossos alunos entram numa sala de aula as 13h00min e vão sair mais de 5 horas da tarde. Muitos desses nossos meninos saem de suas casas ao meio dia e só retornarão depois das 6 da tarde. Muitos com uma refeição deficiente. Daí a importância de uma refeição saudável nas escolas. Isso graças a Deus tem melhorado.
Diante de tudo isso, ficamos cientes dos problemas que acontecem. Não são problemas pequenos, mas reais e de difícil resolução, entretanto possível. Toda esta problemática citada gera defasagem na aprendizagem. Sem falar do problema da evasão. Isso se dá pela falta de horizonte, de perspectiva e estrutura que permita que estes alunos possam sonhar, mas alem de sonhar começar a apalpar este sonho agora. E a escola deveria ser o local onde se pudesse sentir esta possibilidade de mudança.
Pensando em situações como estas, voltei para minha historia. Eu também não tinha estas perspectivas tão claras e nem poderia ter. Somente depois de muito tempo foi que esta luz se ascendeu. Isso tudo porque me sentia abandonado pelo estado, aquele que poderia me oferecer e me mostrar o caminho da oportunidade. Eu, entretanto, tive uma base onde me apoiar e por isso no tempo certo despertei para vida. Agora imagine que vivemos diante de inúmeros desafios, problemas de toda ordem. A pergunta é: como resolvê-los?  Muitas vezes o que nós dizemos para nossos alunos na sala de aula, pouco ou nenhum interesse tem para eles. Parece que estamos falando grego. Não veem no que dizemos nada de interessante e não conseguem entender que essa realidade só mudará por meio da educação.
E.E.P/estrutura
Aqui no Ceará o governo tem tentado melhorar os índices educacionais. Para isso tem se esforçado e tem desenvolvidos alguns projetos que tem como objetivo a melhoria na qualidade do ensino. Um dos pontos importante tem sido construção de Escolas Profissionalizantes. São em torno de 100 nestes últimos anos do Governo atual. São escolas de alto nível, tanto em estrutura quanto na forma de funcionamento pedagógico, ou seja, voltada para dar condições de aprendizagem para o educando. É mais do que justo, mas, não se deve deixar de ver com bons olhos as outras realidades, pois no mesmo lugar onde foi construída uma Escola de Primeiro Mundo, digamos assim, tem outra escola do mesmo estado em situação de precariedade. 

Concordo que tenhamos escolas de alto nível para aqueles que se destacam como os melhores, mas também se faz necessário dar o que tem de melhor para os demais para que estes também sintam-se valorizados alcancem melhores resultados.
Outro ponto a ser pensado para os nossos dias e para os nossos desafios são as políticas de inclusão social. Nossos jovens sentem-se abandonados à própria sorte. E, não tendo em que se apegar e não vendo progresso a sua frente, acaba indo para outros caminhos acabando de vez com seus sonhos.
Mas gostaria de destacar outro ponto crucial. Todos os anos acontecem às avaliações externas. É claro que numa escola militar, escola profissionalizante, onde são oferecidas todas as condições para os alunos, podem-se exigir resultados, mas em outros casos, não se pode exigir o mesmo. Porém, as cobranças são cada vez maiores. Quem recebe a culpa é sempre o pobre professor, aquele que está na ponta do iceberg. Não se leva em consideração tudo o que eu disse atrás.
Não se pode deixar de analisar que esses profissionais recebem um salário miserável e as condições de trabalho nem sempre são as melhores. É realmente de causar revolta. Esses profissionais são desrespeitados tanto pelo governo quanto pela sociedade que ainda não entendeu que sem eles a sociedade vira uma aldeia talvez pior do que no tempo do homem das cavernas, rebelde e sem controle. Diante desta realidade o profissional se desmotiva e vai levando do jeito que dá, como tem feito os governos de todos os tempos. Sem falar que a profissão do professor tem se tornado uma profissão de risco. 

Gostaria de dedicar este artigo a todos os meus colegas do Magistério que amam o que fazem, mas que algumas vezes sentem-se  frustrados pelo descaso que fazem conosco e, acima de tudo, com o país, pois um país que não preza pela educação estará sujeito ao fracasso.  

Artigo escrito pelo Professor Valdeni cruz

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